BLOG ORLANDO TAMBOSI
A ameaça maior às democracias é a daqueles que inventam “inimigos da democracia” para degradarem as instituições, e assim justificam toda a descrença nelas. Rui Ramos para o Observador:
Primeiro,
vinha. A seguir, já não vinha. E afinal, veio mesmo. Tecnicamente, Lula
da Silva não falou na cerimónia do 25 de Abril na Assembleia da
República. Falou, porém, no dia 25 de Abril, entre cravos vermelhos, na
Assembleia da República. Foi, para todos os efeitos, o convidado de
honra no dia da comemoração. O governo socialista e o presidente da
república conseguiram assim o que queriam: sujeitar o Dia da Liberdade,
início da democracia em Portugal, à sombra de um político que montou um
sistema de corrupção para subverter a democracia no seu país, que sempre
fez de claque de apoio a alguns dos piores ditadores do mundo, e que
nos últimos tempos se tornou o papagaio de Putin na sua guerra
existencial contra as democracias europeias, entre as quais Portugal é
suposto estar. Foi esse político que o governo e o presidente da
república insistiram que fosse ouvido e aplaudido pelos deputados e
pelos portugueses no dia 25 de Abril.
O
que pretendiam, com essa provocação abjecta, obtiveram-no. O PS e a
extrema-esquerda provaram que estão em casa e recebem quem lhes
apetecer, incluindo os inimigos de todos os valores que o regime diz
representar. A direita, como estava previsto, demonstrou que a esparrela
tinha sido bem montada e não havia maneira de sair bem: o PSD esteve e
aplaudiu, e foi acusado de ceder; o Chega esteve e pateou, e foi acusado
de desrespeito; a IL não esteve, e foi acusada de abandono. Eis as
direitas no retrato do regime: assustadas, desordeiras ou fugidias. No
fim, tivemos direito a um dos documentos mais bizarros da história deste
regime: o filme da conversa em que o presidente da república, o
presidente da assembleia da república e o primeiro-ministro, as chamadas
“mais altas figuras do Estado”, se congratularam e galhofaram com o
resultado, como miúdos excitados depois de uma traquinice. Tudo tinha
sido bem planeado, tudo correu bem, que grande reinação!
Para
justificar a associação de Lula à comemoração da democracia e da
liberdade, argumentou-se que pouco importava a corrupção e Putin, o que
contava é que fora ele quem vencera Bolsonaro. Como se ganhar eleições a
Bolsonaro tornasse alguém, só por isso, exemplar e consensual. A nossa
oligarquia socialista, como outras oligarquias no Ocidente, tem abusado
do chamado “populismo”. A “ameaça populista” serviu-lhe para desorientar
as oposições de direita, colocando-as perante o dilema de renegarem o
Chega, e provarem, por causa do tamanho do Chega, que nunca mais
governarão e que portanto são irrelevantes; ou não renegarem o Chega, e
provarem, por causa da imagem que a comunicação social dá do Chega, que
também são um perigo e ninguém as pode deixar governar. É um velho jogo,
que o presidente Mitterrand apurou em França com a Frente Nacional.
Mas
acima de tudo, o “populismo” tem permitido à oligarquia aparecer em
público sem ter de se preocupar em maquilhar a sua mediocridade, mau
governo e corrupção. A regra é: tudo o que não é Bolsonaro ou Trump é
bom, por pior que seja. Foi segundo essa regra que convidaram Lula para
as comemorações do 25 de Abril, como amanhã nos podem pedir para
votarmos em José Sócrates para a presidência da república, se a
alternativa for André Ventura. Talvez fosse de perguntar: e o golpismo e
a falta de pudor que as “mais altas figuras do Estado” exibiram no dia
25, não são uma ameaça à democracia? Raramente um regime cai apenas por
pressão externa: são os que estão lá dentro, em posições de decisão, que
o começam a destruir, ao esvaziá-lo de razão e de valores. Quem defende
a democracia destes seus supostos guardiães?
Postado há 5 days ago por Orlando Tambosi

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