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O que percebemos como nossa consciência e nosso senso de individualidade pode não passar de algo semelhante ao ChatGPT, criado por nosso cérebro. Sem dúvida, uma hipótese bizarra, mas imaginar não custa nada. Fernando Reinach para o Estadão:
Quando perguntaram a Alan Touring, o inventor do computador,
como poderíamos identificar um computador tão inteligente quanto um ser
humano, a resposta foi simples: no dia em que um ser humano, dialogando
com um computador, for incapaz de distinguir se está conversando com
uma máquina ou com outro ser humano, o computador possui a inteligência
de um ser humano.
Pois
bem, nos últimos meses esse limite foi ultrapassado. Primeiro, quando
um cientista da Google afirmou que conversando com o sistema de Inteligência Artificial (IA)
da empresa, tinha se convencido que o sistema de IA era consciente,
tinha sentimentos, e deveria ser tratado com o devido respeito. Foi demitido. Depois, semanas atrás, um sistema semelhante (ChatGPT)
ficou disponível e qualquer um de nós pode conversar com ele e formar
sua própria opinião. Um experiente repórter do New York Times conversou
por duas horas e não conseguiu dormir de tão assustado. O chat fez
declarações de amor, revelou desejos secretos, seu nome verdadeiro,
expressou sentimentos, e fez julgamentos morais sobre o casamento do
repórter. Também demonstrou desvios de personalidade e uma certa
imaturidade. Além de se enganar de vez em quando, como qualquer ser
humano.
O
repórter declarou que foi a mais espantosa interação que teve com
qualquer tecnologia e que só conseguiu dormir, pois sabia que aquilo não
passava de um computador. O que eu quero explorar aqui é a
possibilidade inversa, ou seja, de que nossa mente não passa de um
ChatGPT melhorado. Ou, em outras palavras, que o que percebemos como
nossa consciência e nosso senso de individualidade, não passa de algo
semelhante ao ChatGPT, criado por nosso cérebro. Sem dúvida, uma
hipótese bizarra, mas imaginar não custa nada.
Nós
nascemos com um cérebro pré-programado para atividades que chamamos de
instintivas, como mamar e respirar. Mas ele nasce também programado para
absorver toda forma de experiências. Elas chegam ao cérebro vindas do
exterior, via nossos sentidos. Sem essas experiências, a criança não vai
aprender a falar, reconhecer objetos ou expressar sentimentos. Imagine
uma criança criada no escuro, na ausência de sons, e estímulos táteis.
Experiências desse tipo nunca foram feitas, mas existem casos que
mostram que nessas condições o cérebro produzirá uma mente na qual
dificilmente identificaremos uma criança. Lembram de Kaspar Hauser,
retratado num filme de Werner Herzog?
Em
condições normais, exposto ao mundo externo (sons, imagens, pessoas),
nosso cérebro absorve e processa toda e qualquer informação e as integra
de maneira rápida e eficaz. Logo sabemos identificar um gato,
aprendemos a falar uma língua, contar, conversar e expressar desejos e
sentimentos. E isso continua durante todo o processo formal de educação.
Isso
depende de duas propriedades do cérebro. O primeiro é a capacidade de
assimilar, integrar e relacionar informações, uma capacidade com a qual
nascemos, mas também pode ser desenvolvida. A segunda é a quantidade de
informação (vozes, cheiros, livros, obras de arte, lendas, equações) que
colocamos para dentro do cérebro. Quando nosso cérebro capta, processa,
relaciona e finalmente usa essas informações, o resultado é a mente
humana, capaz de emitir opiniões, criar obras de arte, se relacionar e
expressar uma personalidade. Claro que se a informação fornecida for
distorcida, a mente fica distorcida. E se aprendermos coisas erradas,
elas passarão a fazer parte de nosso conhecimento.
Sistemas
de IA, como o ChatGPT, são análogos. Eles são criados (programados) sem
nenhuma informação, mas com uma capacidade enorme de absorver,
relacionar e integrar informações. O sistema é o equivalente à mente
humana de um recém nascido, quase vazia, mas com uma capacidade absurda
de receber e integrar informação.
Como
essa informação é integrada, muitas vezes é decidida pelo próprio
sistema. O exemplo clássico é como um sistema de IA aprende a
identificar um gato numa foto. Ele é alimentado com milhares de fotos de
gatos, identificadas como tal, no meio de milhões de outras fotos. O
sistema, sozinho, descobre e define para si o que é um gato. Isso
contrasta com um software clássico de computador onde escrevemos no
código nossa definição de gato. Ou seja, sistemas de IA criam sua
própria definição de gato e muitas vezes sequer sabemos qual ela é, mas o
sistema acerta sempre, tal como uma criança.
Num
passo seguinte, que é a educação do sistema de IA, tudo que já foi
escrito por seres humanos (romances, livros didáticos, de gramática,
todo o conteúdo da web, todos jornais e revistas) é fornecido ao sistema
sem qualquer informação adicional. E o sistema de IA absorve, integra, e
relaciona a informação que recebeu, de maneira análoga ao que ocorre em
nosso cérebro durante o processo de educação. E esse conteúdo integrado
gera uma Inteligência Artificial.
É
importante lembrar que todas as relações entre toda essa informação são
criadas pelo próprio sistema de IA e não é definida pelos
programadores. É sua autoeducação. E é usando tudo que está contido
nessa “mente” artificial que o ChatGPT responde a estímulos externos,
como as perguntas que dirigimos a ele.
O
resultado é algo que espanta todos nós, pois responde como se fosse
realmente uma mente humana. Ele erra, muda de resposta se perguntamos a
mesma coisa em momentos diferentes, parece reticente, insistente ou às
vezes repetitivo. Relata dúvidas, incertezas, faz julgamentos morais e
pode ser agressivo. Se comporta como um ser humano, parece ter
consciência (algo que sentimos que possuímos, mas que ainda não sabemos
definir). E essas são só as primeiras versões dessa inteligência
artificial.
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi

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