Em nome do combate à desinformação, Joe Biden cria um organismo oficial - e o entrega a uma propagadora de inverdades. Vilma Gryzinski:
O
que é pior: censurar postagens no Twitter ou propagar que as vacinas
contra a covid são “o maior assassinato em massa da história da
humanidade”? Proferir ameaças contra juízes da mais alta corte ou deixar
um “espaço” para que cidadãos frustrados expressem sua insatisfação com
decisões judiciais polêmicas? Deixar Donald Trump falar que a eleição
presidencial que perdeu foi fraudada ou colocar na lista negra
informações constrangedoras que poderiam prejudicar Joe Biden?
Tudo
isso aconteceu nos Estados Unidos. Ou ainda está acontecendo, como no
caso dos protestos em frente as casas dos juízes da Suprema Corte que
apoiam o parecer de derrubar a decisão que liberou o aborto em escala
nacional.
Intimidar
integrantes do judiciário é crime, mas a porta-voz da Casa Branca disse
que o governo não tinha “uma posição” sobre o lugar onde cidadãos
americanos podem fazer protestos pacíficos.
Mesmo
quem acha que as manifestações pelo aborto têm aspectos condenáveis,
quando não repugnantes – quem não quiser passar mal, nem veja uma mulher
de collant que simula abortos com bonecas em frente a uma igreja -, tem
que concordar com a porta-voz Jen Psaki.
Enquanto os protestos forem legais, estão dentro do direito à livre manifestação.
Propagar
mentiras sobre a vacinação contra a covid? Agora que a epidemia
refluiu, o assunto sumiu e o tribunal da opinião pública votou com os
pés, indo maciçamente para os centros de vacinação se imunizar, mesmo
que a proteção tenha sido menor do que o desejável. A parcela que não se
vacinou influiu pouco no resultado final.
Sobre
Trump e sua relação extremamente flexível com os fatos, grave mesmo foi
como todo o establishment americano, dos serviços de inteligência às
redes sociais e a grande imprensa, colaboraram para classificar como
“desinformação russa” a reportagem do New York Post que mostrava o
envolvimento de Joe Biden em reuniões com empresários estrangeiros que
haviam contratado os serviços de seu filho Hunter.
Chegamos
assim à nomeação de Nina Jankowicz, uma das mais ardorosas partidárias
dessa tese, vergonhosamente desmentida pelos fatos. Ela chegou a chamar
de “conto da carochinha” a descoberta de informações comprometedoras num
laptop deixado para conserto por Hunter Biden, num período em que
estava mergulhado no alcoolismo e no crack.
Vários
dos maiores jornalistas americanos defenderam exatamente a mesma
posição, mas foi a nada destacada Nina quem ganhou o cargo de chefe da
Junta de Governança da Desinformação, o patético nome da nova repartição
do Departamento de Segurança Interna.
O nome parece ter sido inventado por inimigos do governo, para evocar o orwelliano Ministério da Verdade do livro 1984.
A
nomeação de Nina Jankowicz, que tem 33 anos e mentalidade de 13,
descrevendo-se (e cantando paródias) como “a Mary Poppins da
desinformação”, deve ter parecido uma ótima ideia para um establishment
cheio de gerontocratas, onde ser mulher, jovem e capaz de postar no
TikTok tornaram-se trunfos.
Não
é. A melhor coisa que Biden poderia fazer em relação ao assunto seria
arquivar a ideia e fazer de conta que nada aconteceu – e muito menos nos
Estados Unidos, onde o conceito de liberdade de expressão foi tão
absolutamente blindado numa constituição escrita por gênios que
anteciparam as bobagens que poderiam ser assacadas na posteridade contra
o princípio no qual todas as outras liberdades estão enganchadas.
Não
existe nenhum outro lugar no mundo onde seja possível, com a mesma
facilidade, ser militante da Ku Klux Klan, do Partido Nazista ou do
Templo Satânico (com isenção fiscal e uma estátua a Bafomé erguida em
Detroit).
Por
causa do poder das redes sociais de moldar pensamentos, propagar
informações – falsas ou verdadeiras – e influir em resultados
eleitorais, as discussões sobre a liberdade de expressão são um assunto
incandescente tanto nos Estados Unidos como no Brasil.
A
entrada de Elon Musk no mercado digital provocou ataques de nervos nas
alas mais à esquerda e prognósticos ridiculamente apocalípticos.
Alguém
acha que Donald Trump se tornou menos influente por estar banido do
Twitter? Pela média das pesquisas, se a nova eleição presidencial fosse
hoje, ele teria 45% dos votos e Biden, 44,2%.
O
resultado pode ser, majoritariamente, debitado na conta de Biden, tanto
por problemas pelos quais não pode ser responsabilizado quanto por
aqueles que criou por iniciativa própria.Nos Estados Unidos existe um
complicador: russos, chineses e até iranianos, entre outros agentes
hostis, realmente tentam influenciar a opinião pública com grandes
operações de desinformação. Insuflar as divisões sociais é a tática mais
comum.
O
que quer que Nina Jankowicz possa fazer para combater esse tipo de
manipulação será, de forma geral, mais prejudicial para a sociedade do
que um grande liquidificador de ideias, inclusive as fabricadas por
inimigos dos Estados Unidos?
Definir
o que é “verdade”, ou a versão mais parecida com ela que conseguem
reconstituir (a missão de jornalistas que honram a profissão), não
deveria caber a integrantes de governos, mesmo que fossem imparciais (o
que não é o caso de Jankowicz).
Até as agências de checagem criadas por redes sociais e órgãos de imprensa têm sido contaminadas pela politização.
“O
termo ‘especialista em desinformação’ foi talhado para passar opiniões
ideológicas como se fossem a Verdade Oficial, em nome de centros de
poder estatais ou corporativos”, escreveu, numa análise arrasadora, o
jornalista Glenn Greenwald.
“Quando
estes grupos são submetidos a um escrutínio minimamente investigativo,
descobre-se que são qualquer coisa, menos apolíticos e neutros.
Frequentemente, são financiados pelo mesmo punhado de bilionários
liberais (como George Soros e Pierre Omidyar), agências de segurança
estatal dos Estados Unidos, Reino Unido ou União Europeia, e/ou
monopólios Big Tech como Google e Facebook”.
(Detalhe:
o franco-americano-iraniano Omidyar foi quem bancou a primeira
iniciativa própria de Greenwald, o site Intercept, que divulgou
conversas capturadas de integrantes da Lava Jato. Greenwald rompeu com o
Intercept e agora escreve para o Substack).
O
trabalho de jornalistas deve ser constantemente submetido a escrutínio,
inclusive em suas motivações políticas. Jornalistas não estão acima da
lei, da mesma forma que quem comete injúrias ou faz ameaças de violência
física. Todos os mecanismos para lidar com isso já existem e não
precisam de Nina Jankowicz – ou similares, pois os copiadores devem
estar entusiasmados – para reforçá-los.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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