Não seria demasiado grave que ao dr. Costa faltasse lisura, decência e,
vá lá, coragem. Acima de tudo, falta ao dr. Costa humanidade. Alberto
Gonçalves, no Observador, sobre o desastroso primeiro-ministro de Portugal - para variar, socialista:
Horas depois da reunião com o dr. Costa, da qual saiu todo
contentinho, o bastonário da Ordem dos Médicos, já um pouco abatido,
queixou-se de o dr. Costa de não ter dito em público o que, em privado,
se tinha comprometido a dizer. Aparentemente, o senhor bastonário é um
dos muitos portugueses que, em Agosto de 2020 e a julgar pelas
sondagens, continuam a tomar o dr. Costa por um indivíduo confiável. Há
fenómenos extraordinários. Submetidos a doses adequadas de propaganda,
os mesmos portugueses acreditariam que Khomeni era um baluarte da luta
feminista.
Noto, dado que a propaganda não deixou que se notasse devidamente,
que a reunião citada surgiu na sequência de um vídeo em que o dr. Costa,
em “off” e perante jornalistas do “Expresso”, chamava “cobardes” aos
médicos que não andaram a reboque das “autoridades” socialistas locais,
no caso do lar de Reguengos onde morreram 18 infelizes por desidratação,
incúria e outras inevitabilidades. Durante a reunião, pelos vistos, o
dr. Costa explicou ao senhor bastonário que as suas declarações haviam
sido descontextualizadas, e que, no contexto, o “cobardes” apenas
pretendia expressar a admiração e o respeito que sente pela classe. Após
a reunião, declarou que o Estado, leia-se meia dúzia de figurinhas do
partido, estivera impecável em todo o processo. Em todo o processo, em
“off” e em “on”, o dr. Costa nunca pediu desculpa aos médicos. Muito
pior, nunca pediu desculpa aos familiares das vítimas.
O episódio resume a personagem. Aqui, como em dezenas de ocasiões
anteriores, temos o sujeito que mantém uma relação complicada com a
verdade, o sujeito que tem uma relação nula com a responsabilidade, o
sujeito que perde a (débil) compostura ao primeiro entrave, o sujeito
que não tolera divergências, o sujeito habituado a debater assuntos
sérios com a sofisticação de comentadores da bola, e o sujeito que tem
os pobres – e bem agradecidos – jornalistas por capachos da sua vontade.
E isto, aliado ao domínio precário da língua portuguesa e à tendência,
fatal no PS, para se rodear de trapaceiros e nulidades, é o lado menos
nocivo do dr. Costa. Não seria demasiado grave que ao dr. Costa faltasse
lisura, decência e, vá lá, coragem. Acima de tudo, falta ao dr. Costa
humanidade.
Em 2017, logo após a primeira vaga de incêndios e de cadáveres, o dr.
Costa apareceu aos saltinhos de alegria no lançamento da candidatura de
um futrica à câmara de Lisboa, pediu uma avaliação do impacto dos fogos
na respectiva popularidade e, por fim, rumou de férias para Ibiza. Após
a segunda vaga de incêndios e cadáveres, realizou uma “comunicação” ao
país em que exaltava o excelso trabalho dele e do governo dele, e em que
nem por um instante lhe ocorreu lamentar com um vestígio de franqueza
os cento e tal cidadãos que o Estado deixou arder. Mais tarde,
evidentemente aconselhado, fingiu comover-se numa sessão parlamentar:
não foi uma grande interpretação. Para lá das inúmeras virtudes de que
carece, o dr. Costa carece de empatia.
Quando o dr. Costa consumou a subida de “apparatchik” de paróquia a
chefe nacional, os pasmados da praxe, para efeitos de legitimação,
cobriram-no de elogios, entre eles o de “príncipe da política”. Hoje,
parece sarcasmo. À época, também parecia. É difícil conceber maior
insulto à monarquia e à política. Mesmo a política portuguesa, com um
vasto rol de doutores sem letras, de manhosos sem mundo e de prepotentes
sem razão, não produzira, fora das fileiras secundárias ou de partidos
totalitários, um líder tão literalmente desumano – pondero a palavra –
quanto o dr. Costa.
Não meço a humanidade pela inteligência, pela bondade ou, Deus me
livre, pelo sentimento: meço-a pela possibilidade de olharmos alguém e,
sob as imperfeições e divergências, suspeitarmos de alguma
característica partilhável, de um pormenor susceptível de nos convencer
que seria suportável passar dez minutos a tomar café com aquela
criatura. Eu, que já passei horas (e abracei) Jerónimo de Sousa, um
ignorante afável, não imagino conviver dez segundos com o dr. Costa. Um
fulano normal olha o dr. Costa com horror. E ele olha-nos com desprezo.
A cada dia de uma longa carreira, o dr. Costa ajuda a definir o
arquétipo, felizmente raro, do político privado de dúvidas, escrúpulos,
vergonha, limites. Cavaco não tinha dúvidas, mas tinha escrúpulos.
Guterres não tinha escrúpulos, mas tinha dúvidas. Durão não tinha
limites, mas tinha vergonha. Sócrates não tinha vergonha, mas tinha
limites (e Pedro Passos Coelho nem é para aqui chamado). O dr. Costa não
tem nada que se aproveite, incluindo a capacidade de ver nos
semelhantes (salvo seja) qualquer coisa diferente de instrumentos ou
empecilhos dos propósitos dele. O dr. Costa não é só um mau governante: é
obviamente má pessoa. E uma pessoa má que manda sem escrutínio num país
é obviamente um governante terrível. E perigoso.
Principalmente, por dispor de poder absoluto e não o emprego
subalterno na repartição das finanças que um carácter assim
recomendaria, o dr. Costa é um perigo, cujas consequências ainda não
experimentamos na totalidade. Nem todas as calamidades que vêm sucedendo
a Portugal são culpa do dr. Costa. Demasiadas calamidades evitáveis
exibem, directa ou indirectamente, a sua autoria. Muito além da covid,
os sucessivos, e arbitrários, estados de emergência e contingência não
escondem o estado de agonia a que chegamos: um povo voluntariamente
entregue aos apetites de um homem sem qualidade. É talvez merecido. É de
certeza trágico.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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