Por nove votos a um, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu nesta
quinta-feira a produção de qualquer tipo de dossiê por parte do
Ministério da Justiça sobre a vida pessoal e política de servidores
públicos. Para a maioria da Corte, houve desvio de finalidade na
elaboração do documento sigiloso sobre quase 600 servidores da área de
segurança identificados como integrantes do movimento antifascista e
opositores do governo do presidente Jair Bolsonaro. As informações
teriam sido compartilhadas com autoridades estaduais e federais. — Há
utilização das informações do poder do Estado, do Sistema Brasileiro de
Inteligência, para separar quem o relatório de Inteligência acha que é a
favor ou contra (o governo) e, partir dai, comunicar autoridades. Isso é
extremamente perigoso e, a meu ver, há um desvio de finalidade.
O que mais me preocupou, o que mais me parece desvio
de finalidade é tentativa de órgãos de inteligência de tentar planilhar
as preferências politicas e filosóficas de agentes policiais sem que
eles tivessem praticado qualquer atividade ilícita. Não é essa a razão
de existência dos órgão de inteligência — disse Alexandre de Moraes. —
Em uma democracia, ninguém deve temer represálias por apenas expressar
uma opinião, uma crença, um pensamento não endossado por quem ocupa
posição de autoridade. Um Estado Constitucional não admite que sejam as
ações do Estado orientadas pela lógica do pensamento ideológico —
afirmou Rosa Weber. Além dos dois, votaram nesse sentido Cármen Lúcia,
Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski,
Gilmar Mendes e o presidente do tribunal, Dias Toffoli. Apenas Marco
Aurélio Mello votou de forma contrária por motivos técnicos. Para ele, a
ação apresentada não deveria ser julgada. . Celso de Mello está de
licença médica e não participou do julgamento. A decisão foi tomada em
uma ação da Rede Sustentabilidade que questiona a legalidade da produção
do dossiê pelo Ministério da Justiça. O partido pede a "imediata
suspensão da produção e disseminação de conhecimentos e informações de
inteligência estatal produzidos sobre integrantes do ‘movimento
antifascismo’ e professores universitários". Em sua defesa, o Ministério
da Justiça afirmou que a Secretaria de Operações Integradas (Seopi) não
produz dossiês contra nenhum cidadão e não instaura "procedimentos de
cunho inquisitorial". Para Moraes, pouco importa a posição política do
policial, desde que ele esteja exercendo sua atividade de forma correta:
— Não importa se o policial é a favor politicamente de A ou B, se ele
vota em A, B ou C. Desde que exerça sua função dentro dos limites
legais, ele tem absoluta liberdade para aderir à posição que ele quiser.
Moraes também criticou a qualidade dos relatórios produzidos pelo
Ministério da Justiça, que foram enviados aos ministros do STF. Segundo
ele, foram compilados dados públicos da internet e de redes sociais.
Moraes considerou o material de qualidade ruim para um relatório de
inteligência. Disse que mais parecia um clipping de notícias. Luiz Fux
endossou essa posição ao chamar o documento de “relatório de
desinteligência” e “bisbilhotagem”. — Não é possível que qualquer órgão
público possa atuar fora dos limites da legalidade e compartilhar
informações sobre a vida pessoal e escolhas políticas. Não (se pode)
bisbilhotar e supor que essas pessoas são a favor ou contra o governo.
Isso é grave. Como foi feito, estava mais para fofocaiada do que para um
relatório de inteligência, mas podia avançar no sentido mais
profissional e mais perigoso — declarou Moraes. No julgamento, os
ministros protestaram contra o controle do Estado em relação à vida
privada dos cidadãos. — O que não se admite é que, num Estado
Democrático de Direito, se elabore dossiês sobre cidadãos dos quais
constem informações quanto a suas preferências ideológicas, políticas,
religiosas, culturais, artísticas ou, inclusive e especialmente, de
caráter afetivo. O que eu acho importante é que o STF estabeleça desde
logo alguns parâmetros para esta importante atividade estatal, para que
nós não revivamos a história recente, e desta vez como farsa — disse
Lewandowski. — Conclui-se que os dossiês impugnados teriam sido
produzidos não em virtude do risco ou da atuação preventiva do Seopi
para evitar a ocorrência de eventuais atos criminosos ou terroristas,
mas sim em virtude do exercício da liberdade de expressão, pura e
simples, e de crítica das pessoas monitoradas, o que é incompatível com o
regime de proteção às liberdades constitucionalmente estabelecidas —
afirmou Mendes.
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