Como Donald Trump ainda está vivo é um dos mais interessantes enigmas
da política atual. Inclusive pelo que tem de comparável com o Brasil.
Por vivo entenda-se que, segundo as pesquisas, continua a ter acima de
40% dos votos na eleição de novembro. Ou 8 pontos, em média, abaixo de
Joe Biden. Por seus conhecidos defeitos, martelados e amplificados pela
cobertura hostil da maioria dos veículos de imprensa, pela compulsão por
tuitar e se autossabotar, pelas 180 000 vidas ceifadas pelo vírus e
pela economia implodida, já deveria estar politicamente humilhado, morto
e enterrado. Mas Trump tem sobrevivido a tudo isso, fora um livro
lançado por semana, do tipo que, na imaginação exaltada de jornalistas e
comentaristas, vai acabar com ele. O último foi de sua sobrinha, Mary
Trump — pegou pior para ela do que para o tio. O próximo será de Michael
Cohen, seu ex-advogado e faz-tudo, inclusive esconder coelhinhas no
armário. Faltam adjetivos na lista que preparou para o ex-chefe:
“Trapaceiro, mentiroso, golpista, abusador, racista, predador,
vigarista”.
Com uma base fiel, Trump não só continua no jogo como tem uma
aprovação superior, em matéria de condução da economia, à de Bush filho e
de Obama, no mesmo período de seus mandatos: 47%. É superior também ao
índice de aprovação, de forma geral, a Trump como presidente. Uma boa
parte dos eleitores talvez entenda que ele não tem culpa pela derrocada
acoplada a um fenômeno único como o novo coronavírus. Mais ainda,
consideram-no, com base na performance pré-vírus, o mais capacitado a
ressuscitar a economia. É o ponto mais forte de Trump.
Como isso vai influenciar a eleição, dentro de apenas dez semanas,
sem tempo, portanto, para que os indícios de recuperação se consolidem? A
resposta pode presentear Trump com a reeleição ou acabar de vez com
ele. Ainda existem 10% de eleitores indecisos, muito provavelmente
insatisfeitos com os desvios comportamentais de Trump e, ao mesmo tempo,
hesitantes em escolher Biden, tão fragilizado aos quase 78 anos que o
simples fato de conseguir fazer, sem derrapadas, um discurso lido no
teleprompter já é comemorado.
As respectivas narrativas foram bem apresentadas nas convenções. Na
óptica democrata, o país está num buraco provocado por um presidente
desagregador, a democracia corre perigo e nobres e pacíficos
manifestantes precisam do apoio de todos para enfrentar o racismo. Na
republicana, o buraco e a ameaça existencial decorrem da permissividade
das autoridades locais democratas que vão “abrir as fronteiras e fechar
as prisões” e de vândalos anarquistas que comandam as ruas. Sem grandes
novidades. Nos números de magia, isso se chama “apresentação”: o objeto
banal, como um baralho ou um coelho, é mostrado ao público. Depois, vem a
“virada”: a coisa some. Em campanhas eleitorais, corresponde à luta de
foice que vai acontecer nas próximas semanas, com fatos e depoimentos
comprometedores trazidos à luz para deixar a plateia estonteada. No
terceiro ato, o “prestígio”, o coelho e a carta reaparecem. O público
faz “ahhh”. E o resultado da eleição é conhecido. O prestidigitador
Trump vai tirar mais um coelho da cartola?
Publicado em VEJA de 2 de setembro de 2020, edição nº 2702
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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