Em
audiência pública que debateu os desafios da atualidade para pessoas
com transtorno do espectro autista (TEA), nesta quarta-feira (2), a
presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, senadora
Damares Alves (Republicanos-DF), cobrou que os Três Poderes União
priorizem a pauta para derrubar as barreiras ainda existentes pela
inclusão.
“A pauta
tem que estar na mesa o tempo todo. A pauta tem que ser prioridade no
Brasil. As instituições que estão aqui sabem que urge a necessidade de
fazermos uma ampla discussão com encaminhamentos e com busca de
respostas”, disse a parlamentar.
A audiência
pública faz parte do ciclo de debates sobre os direitos das pessoas com
deficiência e doenças raras, requerido pela presidente da comissão,
senadora Damares Alves (Republicanos-DF).
No
encontro, foram destacados avanços na legislação, ao tempo em que os
presentes reforçaram a necessidade de novas medidas, como a aprovação da
Política Nacional do Cuidado e a ampliação dos Centros de Referência
para pessoas autistas no país.
Centros de referência
Mãe
de Enzo, de 21 anos, e ativista da pauta do autismo, Márcia Maria
Arruda Bueno César compartilhou os desafios enfrentados pelas famílias
de pessoas com o transtorno. Para ela, a conscientização, o
compartilhamento de informações, o funcionamento de centros de
referência nos municípios e o acolhimento das famílias através de uma
rede ou de instituições são fundamentais para o enfrentamento das
barreiras.
“Eu vejo
às vezes mães com criança com 4 anos que ainda não fala, que ainda não
tem diagnóstico, ou ainda não correram atrás. A gente precisa que isso
seja feito na primeira infância. A gente precisa de laudos que sejam
mais assertivos para que tenha estimulação precoce, mais centros de
especialização em estimulação precoce. Que esses laudos cheguem antes,
que essas mães sejam treinadas, para que a gente não faça só o papel de
mãe, mas também de mãe terapeuta”, defendeu.
Política Nacional do Cuidado
A
senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) reafirmou o compromisso para avançar na
efetividade das políticas públicas, especialmente em relação à
assistência financeira e psicológica para as famílias que, conforme ela,
muitas vezes precisam abandonar seus empregos para cuidar dos filhos em
tempo integral.
Mara apresentou uma proposta para garantir esse apoio, por meio da instituição de uma Política Nacional do Cuidado (PL 2.797/2022).
“Essas
mães e pais ainda têm pavor de morrer e deixar seus filhos sem nenhum
cuidado ou tipo de apoio. Esse foi um medo que eu presenciei muito. A
maioria das pessoas com deficiência que necessitam de cuidado permanente
para a vida diária recebem cuidados de um familiar que precisa
sacrificar a vida profissional. E aí a renda da família diminui, mas as
despesas aumentam. Por isso a gente construiu uma proposta de Política
Nacional de Cuidado bastante ampla e que possa oferecer apoio real às
famílias”, pontuou.
Luciana
Medina de Souza, que é mãe atípica de Bernardo Martínez, concordou com a
senadora Mara Gabrilli e afirmou que 80% das mães de autistas cuidam
dos filhos sozinhas.
“Nós
não podemos romantizar o autismo. É cansativo, é angustiante, dá
trabalho; não posso deixar de falar que a gente precisa de apoio como
mãe”, disse.
Bernardo
Martínez confirmou o relato desafiador da mãe. Disse que ficou até os 6
anos sem falar e teve um diagnóstico tardio em razão do desconhecimento
sobre a deficiência na época. No entanto, relatou que foi a partir do
diagnóstico, da dedicação integral da mãe e das terapias que passou a
ter progressos nas etapas de desenvolvimento. Hoje ele cursa bacharelado
em Ciências Biológicas na Universidade de Brasília (UNB) e credita o
seu desempenho ao amor e cuidado da mãe.
“Ela
teve muito empenho, precisou ter muita força, precisou ter muita
confiança em Deus, porque até os meus 6 anos de idade eu não mostrei
melhoras. Eu era não verbal, eu me isolava muito, tinha muitos sintomas
preocupantes, e ela ainda assim se empenhou em mim”, declarou.
Como resposta, Damares informou que a CDH vai priorizar a votação do projeto.
“A
gente tem que dar prioridade ao projeto de lei. Esse é o encaminhamento
desta comissão. A mãe que cuida, o pai que cuida, que interrompe a vida
para cuidar. E quando a pessoa, a criança que ele está cuidando parte,
no outro dia de manhã já não tem mais direito ao BPC [Benefício de
Prestação Continuada]. Então o que fazer? Então vem aí a Política do
Cuidado”,
Orçamento
Na
avaliação dos participantes, um dos maiores desafios para que as
políticas públicas sejam efetivadas é o baixo orçamento direcionado à
área.
Segundo
Antonio José Ferreira, o orçamento previsto para a Secretaria dos
Direitos da Pessoa com Deficiência, do Ministério dos Direitos Humanos e
Cidadania, é de R$ 26 milhões.
Ele
disse que a rede de cuidados e atenção à deficiência no âmbito do
Sistema Único de Saúde (SUS), com os Centros Especializados em
Reabilitação, tiveram reajuste dos valores dos procedimentos realizados
em 35% em 2024, após mais de 12 anos sem esse incremento. Além disso,
mais de 1 milhão de professores passaram por capacitação para que possam
atuar nas unidades públicas.
Para
a subsecretária de Saúde Mental da Secretaria de Estado de Saúde do DF,
Fernanda Figueiredo Falcomer, o SUS tem uma participação fundamental
nessa política, para se efetivar toda a linha de cuidado e proteção das
pessoas com deficiência, do atendimento primário à assistência de
reabilitação.
“As
políticas públicas não vão conseguir, sozinhas, avançar e garantir esse
acesso. Essa é uma pauta de todos nós. E quando a gente fala de saúde
mental, não é só falar do tratamento, é falar de todas as outras
condições envolvidas no bem-estar mental (…) Nosso objetivo é conseguir
garantir o acesso a serviços que possam oferecer todos os cuidados
necessários, desde o diagnóstico, o tratamento e todas as etapas para
conseguir atender todas as necessidades das crianças e dando todo o
suporte que as famílias precisam.”
Observatório
Além
das legislações existentes, o presidente do Movimento Orgulho Autista
Brasil (Moab), Edilson Barbosa, sugeriu uma ideia de projeto de lei para
a criação de um observatório dos direitos dos autistas. O observatório
teria a função de fiscalizar o cumprimento das políticas públicas pelos
estados e municípios.
Ele
também pediu a divulgação, pelo IBGE, dos números sobre as pessoas com
autismo no Brasil. “A gente precisa ter esse observatório para dizer
qual município, qual estado, que estão no ranking e que estão
implementando realmente esses direitos, ou por que não estão
implementando”, afirmou.
Além do discurso
Além
de um dia de celebração e reconhecimento de alguns avanços, a data é
especial também para trazer alguns alertas, como a necessidade de
capacitação dos profissionais de educação, para o suporte aos alunos na
escola, disse o deputado distrital Eduardo Pedrosa. Ele preside a Frente
Parlamentar em Defesa dos Direitos e de Atenção à Pessoa com Síndrome
de Down na Câmara Legislativa do DF.
“Que
não fique só no discurso bonito, que não fique só numa lei que está no
papel. Que fique em ações práticas que realmente cheguem às pessoas, que
atinjam quem precisa de cuidado. O que nós não queremos ver mais é, no
Dia Mundial do Autismo, todo mundo falando muito bonito, e que amanhã
tenha matéria na capa do jornal falando de algum problema dentro da
escola que está acontecendo com uma criança com autismo, a mãe insegura
em relação aos seus filhos. Isso a gente não quer ver mais”, cobrou.
O
senador Jaime Bagattoli (PL-RO) manifestou o desejo que essa luta e
conscientização possa estar cada vez presente nos municípios, contando
com a participação das assembleias legislativas e das câmaras
municipais. Para ele, essa não é uma pauta ideológica ou partidária, mas
uma “defesa pelos direitos humanos”.
A
senadora Ivete da Silveira (MDB-SC) reforçou o compromisso pela causa
das pessoas com autismo e dos familiares que se dedicam a elas em tempo
integral. Ivete pediu que as legislações existentes, como a Política
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro
Autista, sejam efetivamente implementadas. A senadora é autora de um
projeto que estabelece validade indeterminada ao laudo de diagnóstico
que identifica o transtorno do espectro autista (PL 2.352/2022).
Luta permanente
Berenice
Piana, que inspirou a lei que institui a Política Nacional dos Direitos
da Pessoa com TEA, participou do debate por vídeo, em que ressaltou que
ainda é preciso construir muito mais pela garantia de atendimento
integral e apoio aos autistas e familiares. Ela também destacou o papel
da CDH na aprovação da lei e na defesa dos direitos das pessoas com
necessidades especiais.
“Tudo
começou na Comissão de Direitos Humanos. Foi o primeiro lugar onde dei
entrada com o processo que hoje é a Lei do Autista — relatou,
agradecendo e pedindo às senadoras e aos senadores que "não desistam" da
causa”, disse.
Também
estiveram presentes na audiência representantes de diversas
instituições que trabalham em defesa dos direitos das pessoas com
autismo. A sala da comissão ainda exibiu em suas dependências uma
exposição de obras de artistas com TEA, de mães atípicas e de
pesquisadores, como o pintor Rafael e o escritor Oswaldo Freire da
Fonseca Júnior, que é autor do livro O Desafiante Mundo do Autista.
*Com informações da Agência Senado
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