A direita conservadora tem somente um perfil religioso, voltado para as pautas do aborto, da união civil homossexual e da política de gênero na educação. O conservadorismo inglês – para dar um exemplo paradigmático – está baseado em concepções liberais na economia e no respeito às instituições e às tradições. Artigo do professor Denis Rosenfield para o Estadão:
O
novo quadro político-partidário já apresenta uma mudança significativa
no que diz respeito às forças de direita em jogo e aos seus diferentes
significados. Isso diferentemente das eleições de 2018, quando Bolsonaro
representava genericamente a direita em sua aversão ao lulopetismo, a
saber, contra as simpatias petistas pelas ditaduras de esquerda, a
corrupção, o desrespeito à propriedade privada rural e o descalabro
fiscal. Amalgamava ele posições conservadoras, liberais e de extrema
direita, nem sempre diferenciadas. O bolsonarismo, nestes quatro anos,
adquiriu um perfil mais claro de movimento de extrema direita.
Ele
veio para ficar, independentemente dos resultados do segundo turno. Eis
por que se torna relevante destacarmos algumas de suas características
principais: 1) o seu desprezo pela democracia caracteriza-se pelas
reiteradas tentativas de Bolsonaro e de seu grupo de deslegitimarem o
sistema eleitoral e as urnas eletrônicas; 2) a independência entre os
Poderes é ameaçada, como se o Supremo Tribunal Federal (STF) fosse um
entulho que deveria ser removido; 3) para eles, a democracia não possui
um valor universal, sendo tão somente um instrumento para a conquista do
poder, que, uma vez alcançado, se torna um fim em si mesmo; 4) de
movimento social, o bolsonarismo está se tornando institucional, na
medida em que elegeu um número expressivo de deputados e senadores afins
com sua ideologia; 5) note-se que deputados eleitos na esteira de Jair
Bolsonaro, afastando-se depois, não foram reeleitos, mostrando a coesão
deste movimento; 6) o atual presidente considera a sua voz como tendo um
valor absoluto, ao qual os outros devem prestar obediência. Sua posição
é a de um líder máximo, o que se traduz pelo tratamento que os seus
partidários lhe reservam: “mito”; 7) em seus movimentos, os
bolsonaristas expõem o que se poderia considerar uma estética da força.
Ela se faz presente nas manifestações de motociatas, com homens, alguns
armados, andando de motos, com capacetes. Ela se apresentou, também, na
proposta do dito “tratamento precoce”, deixando doentes morrerem à
míngua, e no absoluto desprezo pela vida. Jamais o presidente visitou um
hospital. A estética da força mostrou-se como uma estética da morte; 8)
do ponto de vista intelectual, o bolsonarismo é muito pobre, não tendo
os equivalentes da extrema direita francesa, como Mauras e Céline; ou do
fascismo italiano, como Gentile e outros.
A
direita liberal desaparece. O Novo elege apenas três deputados, e o
governador Romeu Zema, com uma votação expressiva em primeiro turno,
decidiu alinhar-se com Bolsonaro. Eis um fenômeno importante, pois não é
uma exceção. Boa parte dos liberais, principalmente por aversão ao
petismo, alinhou-se ao bolsonarismo, e isso antes mesmo das eleições.
Processo semelhante aconteceu no apoio dos produtores rurais aos
conservadores e ao bolsonarismo, pois, com razão, foram os que mais
diretamente sofreram com as invasões e a violência do MST, apoiadas pelo
PT e por Lula. Os liberais, nesse sentido, tornaram-se uma força
auxiliar do atual presidente, tendo perdido suas características
próprias. A dita política liberal do governo Bolsonaro, representada
pela figura do ministro Paulo Guedes, nada entregou do prometido. Alguém
se lembra, ainda, das privatizações de R$ 1 trilhão? E o não pagamento
dos precatórios, quebra de contrato, para o pagamento das emendas do
orçamento secreto? Entrou em seu lugar, além do atendimento paroquial
dos interesses corporativos, sem nenhuma noção de equidade, um
social-darwinismo, deixando os pobres à própria sorte. Cortes do
programa Farmácia Popular e da merenda escolar são demonstrações disso.
Mesmo o Auxílio Brasil tem uma data para o seu término, dezembro de
2022, escancarando a sua intenção eleitoral.
A
direita conservadora tem somente um perfil religioso, voltado para as
pautas do aborto, da união civil homossexual e da política de gênero na
educação. O conservadorismo inglês – para dar um exemplo paradigmático –
está baseado em concepções liberais na economia e no respeito às
instituições e às tradições. Aqui, os que se apresentam como
conservadores jogam precisamente contra as instituições, sempre
questionando as regras próprias da democracia. Pode-se, então, dizer que
o conservadorismo brasileiro é ideologicamente sem muita consistência,
salvo neste aspecto religioso e, para utilizar uma expressão popular,
aguado.
Por
último, temos uma direita que corresponde à tradição partidária
brasileira, afeita sobretudo à satisfação dos interesses particulares,
fisiológicos, financeiros, corporativos e paroquiais deste tipo de
agremiação. Não tem, nem pretende ter, nenhum tipo de perfil ideológico,
terminando por ser o fiel da balança de qualquer governo. É avessa
tanto ao extremismo bolsonarista quanto ao petista, ambos podendo ser
igualmente prejudiciais aos seus próprios interesses. É firme partidária
da conservação de um sistema político que lhe satisfaz.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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