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Bem mais pantanosa torna-se essa arbitragem quando se estende para além dos limites da propaganda eleitoral, alcançando a imprensa e a grande praça pública virtual que são as redes sociais. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
O
combate judicial às fake news nessas eleições falhou, conforme
previsto. Falhou porque as notícias fraudulentas — ou seja, mentiras
travestidas de informação, melhor definição para as fake news —
continuam inundando grupos de WhatsApp e a timeline das redes sociais.
Mas, principalmente, falhou porque em diversas ocasiões resvalou para o
cerceamento da liberdade de expressão e de imprensa. A recente censura
do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) à Gazeta do Povo é um exemplo
disso. Mas está longe de ser um caso isolado.
Não
há nenhuma surpresa nesse fracasso. A disputa eleitoral este ano está
mais suja do que pau de galinheiro, com a discussão de propostas de
governo sendo completamente abandonadas em prol de um embate em que se
explora a rejeição ao adversário com base em acusações apelativas, de
cunho pessoal ou religioso. Nesse contexto, a produção e a disseminação
de mentiras ou de fatos desvirtuados vicejam.
Um
exemplo da distorção dos fatos é a peça de propaganda divulgada pela
campanha de Lula que mostra Bolsonaro, em entrevista de 2016, dizendo
que comeria carne humana. Os trechos das falas do então deputado
Bolsonaro foram tirados de contexto no vídeo editado pelo PT. A pedido
da campanha do presidente, o TSE ordenou à equipe de Lula a retirada do
ar da peça difamatória.
Outro
exemplo de informação falsa que vem sendo divulgada ad nauseam, neste
caso por políticos e influenciadores ligados a Bolsonaro, é a de que
Lula tem como projeto político perseguir cristãos ou acabar com a
liberdade religiosa no país. É o caso de uma postagem no Instagram de
Flávio Bolsonaro, senador e filho do presidente, em setembro, que
afirmava que em 2010 Lula havia assinado um decreto para "banir a
religião cristã". Uma mentira deslavada, obviamente.
Lula,
quando presidente, nunca perseguiu cristãos. Ao contrário, nos seus
anos de governo o número de membros das diversas denominações
evangélicas cresceu enormemente, passando de 15,4% para 22,2% da
população, segundo dados do IBGE.
Publicações
desse tipo, inclusive algumas feitas por outro filho presidencial, o
deputado federal Eduardo Bolsonaro, também foram derrubadas por ordem do
TSE. O problema é que, na mais recente dessas decisões, também foram
proibidas postagens absolutamente verídicas, como uma da Gazeta do Povo
que tratava do fechamento do canal CNN na Nicarágua e da relação de Lula
com o governo daquele país. É verdade que o regime de Daniel Ortega é
uma ditadura que persegue católicos e jornalistas. E é verdade que Lula
já minimizou o autoritarismo de Ortega e que permanece em silêncio sobre
seus mais recentes abusos.
A
supressão da postagem da Gazeta do Povo é, sem dúvida alguma, um ato de
censura do TSE e merece todo o repúdio. Assim como já foram censurados
os sites O Antagonista por noticiar a preferência dos líderes do PCC por
Lula e o portal UOL por informar sobre a compra de imóveis em dinheiro
vivo por familiares de Bolsonaro (esta uma censura feita pela Justiça a
pedido de Flávio Bolsonaro e derrubada pelo STF).
Esse
é o problema de se conferir ao Estado, por meio de juízes ou ministros
da Justiça Eleitoral, o poder de decidir o que pode ou não ser dito:
acaba-se proibindo, em meio a afirmações realmente falsas, também
verdades incontestáveis ou interpretações dos fatos que, apesar de
polêmicas ou discutíveis, são legítimas.
O
TSE tem a atribuição de regular o que as campanhas divulgam na forma de
propaganda, entre outros motivos para garantir um mínimo de civilidade
no debate eleitoral, que no caso da veiculação "gratuita" em rádio e TV é
bancada pelo Estado via renúncia fiscal.
Bem
mais pantanosa torna-se essa arbitragem quando se estende para além dos
limites da propaganda eleitoral, alcançando a imprensa e a grande praça
pública virtual que são as redes sociais.
Não
se pode admitir que, a pretexto de garantir a lisura da campanha
eleitoral, se promova a censura do TSE a veículos de imprensa. E, no
caso das postagens em redes sociais, bem mais democrático e efetivo, em
vez de julgar o que é verdade ou mentira em postagens individuais e
específicas, seria coibir o comportamento inautêntico — ou seja, o uso
de robôs e perfis falsos e o disparo em massa de mensagens de cunho
político-eleitoral.
Teria
sido possível implantar esse modelo já para essas eleições, mas o grupo
político do presidente Jair Bolsonaro foi contra. Por que será?
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