O mundo já está suficientemente complicado? Pessoas que agora rejeitam a transição de gênero acrescentam perguntas difíceis de responder. Vilma Gryzinski:
“Eu
descobri que estava competindo por homens com outras mulheres”. Talvez
esta seja a mais sincera declaração a emergir no mundo das pessoas que
estão se arriscando a dizer o que parece ser um tabu: arrependeram-se de
cirurgias para mudança de gênero.
A
lista de reclamações feita por Shape Shifter é longa. Além de perder os
interessados que gostam de se relacionar com travestis, perdeu o
impulso sexual com os hormônios femininos em doses altas e,
principalmente, perdeu o pênis. Ela concluiu que era um homem
homossexual que gostava de se vestir de mulher – o que continua a fazer,
com longos cabelos loiros e muita maquiagem. Queria ter o pênis de
volta ao lugar onde foi feita uma vagina cirúrgica que a deixou com
problemas urinários, entre outros.
Um
grupo de pessoas como Shape Shifter, mesmo sem seu nome provocante,
mandou uma carta ao ministro da Justiça dos Estados Unidos, Merrick
Garland, pedindo a reavaliação dos “experimentos médicos descontrolados
que estão sendo feitos com crianças em hospitais em nome do ‘atendimento
de afirmação de gênero’”.
As
principais associações médicas americanas não só estão totalmente
contra essa reavaliação, como pedem investigação e prisão de pessoas que
a defendem.
Uma
das mais conhecidas é Chloe Cole, que entrou na linha de tiro de um
debate extremamente volátil, por motivos óbvios. Ela diz que, por
influência de redes sociais e problemas com a imagem corporal, decidiu
aos 12 anos que era trans. Aos 13, começou a tomar bloqueadores de
puberdade e assumiu diante dos pais, que ficaram aturdidos com a opção
apresentada pelo serviço médico onde a menina procurava tratamento:
“Vocês preferem uma filha morta ou um filho vivo?”.
Com
15 anos, Chloe fez uma mastectomia dupla com reimplante dos mamilos,
cirurgia que ela diz causar complicações até hoje. Com 18, se arrependeu
de tudo.
É
ela um caso raro num espectro em que esse tipo de mudança faz mais bem
do que mal? Como o fenômeno todo é novo, é difícil quantificar e os
números que circulam a respeito não têm imparcialidade científica.
Mas
também é difícil ignorar que, para combater preconceitos e pressões
sociais sobre os que rejeitam a própria identidade sexual, a questão da
disforia de gênero tomou caminhos que levaram para um lado igualmente
distorcido – sem falar nos riscos de intervenções radicais em jovens que
estão passando pelo bombardeio da puberdade e as transformações físicas
e psicológicas decorrentes.
Com que idade um menor deve iniciar a transição de gênero?
Obviamente,
não há respostas fáceis. As que circulam entre instituições médicas
renomadas também estão sujeitas a altos níveis de contestação. Um caso
que causou impacto nos Estados Unidos foi o da psicóloga Kerry McGregor,
do celebrado Hospital Pediátrico de Boston, que postou um vídeo dizendo
que as crianças “sabem desde uma idade muito precoce, aos dois ou três
anos” – ou até mesmo ainda “no útero da mãe” – que são trans.
Como ela sabe disso?
Na
Inglaterra, o único centro pediátrico do sistema público de saúde
dedicado à questão, Tavistock, foi fechado depois que uma investigação
independente pôs em dúvida a segurança médica dos menores submetidos a
procedimentos lá.
A
investigação foi fruto de um processo aberto em nome de Keira Bell.
Numa história parecida com a de Chloe Cole, ela conta que teve uma
infância complicada e uma adolescência pior ainda, achando que era a
única menina do mundo a não gostar de ver os seios crescer e a penar com
a menstruação.
Aos
14 anos, com depressão e uma mãe alcoólatra, parou de ir à escola e
começou a navegar por sites sobre a transição de gênero. Esse caminho a
levou ao centro Tavistock, onde depois de “conversas superficiais com
assistentes sociais”, passou a fazer tratamento com bloqueadores de
puberdade. As aplicações de testosterona vieram pouco depois. Aos 20,
tirou os seios. Tinha barba e se chamava Quincy. Daí, quis retroceder.
“As
consequências eram profundas: possível infertilidade, perda dos meus
seios e da capacidade de amamentar, genitais atrofiados, voz
permanentemente alterada, pilosidade facial”.
Keira
Bell acha que os profissionais que a atenderam quando adolescente
confusa “deveriam ter levado em conta todas as minhas comorbidades, não
apenas minha esperança ingênua de que tudo poderia ser resolvido com
hormônios e cirurgia”.
A
causa aberta por ela junto ao supremo tribunal concluiu com a decisão
que menores de 16 anos não têm maturidade para autorizar o uso de
bloqueadores hormonais.
É
claro que a questão da mudança de gênero é altamente politizada, com os
dois polos acreditando que o lado oposto representa nada menos do que
as forças do mal. Mas as argumentações de ambos, quando feitas com
honestidade, precisam ser levadas em conta.
O
fato de que existam mais mulheres biológicas fazendo a “destransição”
talvez reflita um número que não pode ser atribuído a fatores naturais:
na Grã-Bretanha, ao longo da última década, houve um aumento de 4 400%
no número de meninas que são encaminhadas para tratamento de mudança de
gênero.
Cirurgias
desse tipo podem trazer alegria e realização a quem sofria por se ver
no “corpo errado” ou podem expressar modismos e precipitações que
arruínam vidas. Não só profissionais de saúde, mas toda a sociedade têm
que ter consciência que cada caso é único e precisa ser atendido com
respeito, compreensão, conhecimento e ética não contaminada por
ideologia.
Ninguém
deveria ouvir conclusões como a de Shape Shifter: “Eu me sinto como se
tivesse feito parte de uma cruel experiência médica e social”.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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