Para
Paula Eloize, especialista em segurança dos alimentos, a Indicação
Geográfica é uma ferramenta estratégica para garantir a permanência da
agricultura familiar no campo.
Num país com dimensões continentais, sabores únicos e tradições enraizadas em cada canto do território, a Indicação Geográfica (IG) surge como uma ferramenta poderosa - não apenas para proteger produtos regionais, mas para transformar a agricultura familiar em uma força econômica, cultural e estratégica.
Muito
além de um selo de procedência, a IG é um reconhecimento oficial de que
determinado alimento carrega consigo o valor de um território. Ela
protege saberes locais, fortalece cadeias produtivas sustentáveis e
oferece ao agricultor familiar um espaço de mercado onde o agronegócio
não consegue competir: o da identidade, da autenticidade e da origem.
De acordo com o Censo Agropecuário do IBGE, o Brasil possui cerca de 3,9 milhões de estabelecimentos rurais familiares, responsáveis por aproximadamente 10,1 milhões de ocupações no campo e por 23% do valor bruto da produção agropecuária nacional. A CONTAG reforça que a agricultura familiar brasileira é a 8ª maior produtora de alimentos do mundo e impulsiona a economia de 90% dos municípios do país.
Apesar
de sua importância, esse setor ainda carece de políticas públicas
eficazes que reconheçam e valorizem sua singularidade. É justamente
nesse ponto que a Indicação Geográfica se mostra uma saída concreta e
estratégica.
“A
IG reconhece que o produto não é só aquilo que está no prato — é o
território, o clima, o modo de fazer, a cultura que o cerca. Quando
valorizamos isso, abrimos portas para o pequeno produtor competir com
identidade e agregar valor ao que já sabe fazer”, afirma Paula Eloize, médica veterinária e especialista em segurança dos alimentos.
No Brasil, 101 produtos possuem Indicação Geográfica registrada, segundo o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), sendo apenas 15 de origem animal. O número ainda é tímido quando comparado ao potencial cultural e produtivo das regiões brasileiras.
"Queijos artesanais, mel, carne de raças nativas, erva-mate e cafés especiais
são apenas alguns exemplos de produtos que já se beneficiam dessa
certificação — com impactos diretos em renda, permanência no campo e
reconhecimento internacional”, acrescenta.
A IG também atua como um selo de confiança para o consumidor,
ao garantir qualidade, rastreabilidade e vínculo com práticas
tradicionais. Para Paula, esse é um ponto crucial: “A segurança dos
alimentos também passa pela origem. Quando sabemos de onde vem, como é
feito e por quem é feito, criamos uma relação de confiança com o que
comemos. E essa confiança tem valor”.
Além disso, a IG estimula o turismo rural,
protege a biodiversidade, incentiva a sucessão familiar no campo e se
conecta diretamente com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS), ao promover consumo responsável, inclusão produtiva e proteção do patrimônio cultural e alimentar.
Ainda assim, a ampliação das IGs no Brasil enfrenta desafios importantes: falta de apoio técnico, burocracia no processo de registro, ausência de capacitação jurídica e sanitária, principalmente para produtos de origem animal.
“Temos
uma riqueza enorme escondida em rincões do país, mas muitos grupos de
produtores não têm acesso à estrutura mínima para registrar suas IGs. O
que falta muitas vezes não é produto — é política pública, incentivo
técnico e valorização da nossa identidade alimentar”, reforça Paula.
O
avanço da Indicação Geográfica no Brasil depende de articulação entre
governos, universidades, cooperativas e instituições técnicas. Quando
bem implementada, ela transforma anonimato em valor de mercado, tradição em diferencial competitivo e cultura em desenvolvimento rural.
Mais do que um selo, a IG pode ser um dos caminhos mais sólidos para tornar a agricultura familiar protagonista de uma nova economia: mais humana, diversa, sustentável — e verdadeiramente brasileira.
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