BLOG ORLANDO TAMBOSI
Biólogos
marinhos especulam sobre o comportamento sem precedentes dos animais,
que parecem seguir um plano e compartilhar conhecimento. Vilma Gryzinski:
Um
dos maiores lugares comuns sobre as orcas é dizer que elas não são nem
baleias nem assassinas, mas esta última afirmação está sendo posta em
dúvida.
Um grupo de orcas tem sido acompanhado desde 2020 por causa de seu comportamento intrigante: atacam embarcações, especialmente veleiros,
que singram as águas do Atlântico Norte à altura de Portugal e da
Espanha. Já afundaram três. Doze foram danificados. Ao todo, existem
relatos com o espantoso número de 744 encontros, dos quais 505
envolveram contato entre as orcas e os barcos.
Não
são ataques improvisados ou aleatórios. Ao contrário, têm duração de
até uma hora — um casal num veleiro filmou tudo — e continuam mesmo
depois que uma outra embarcação atende o pedido de socorro e reboca o
veleiro que ficou sem leme.
Pois
existe uma divisão de trabalho no bando. As orcas menores atacam o
leme, por baixo d’água, e o animal maior dá sucessivas batidas nos
costados — é por isso que, entre os muitos memes que o caso gerou, um
deles chama o bando de “crime orca-nizado”.
“Elas
começaram a bater no leme com uma força que fazia o timão girar
violentamente e dava para sentir a vibração no convés”, relatou April
Boyes, surpreendida com o resto da tripulação do iate Mustique em 24 de
maio, na altura do estreito de Gibraltar.
Depois
de quebrarem o leme, afastaram-se durante vinte minutos, mas retomaram o
ataque quando a embarcação estava sendo rebocada pela Guarda Costeira
espanhola.
“Só pararam quando já havíamos desembarcado”.
Werner
Schaufelberger, outro alvo do bando, disse a uma revista especializada
alemã que duas orcas menores observaram a “técnica” de ataque do animai
maior e passaram a imitá-la. O barco dele afundou no porto depois de ser
resgatado.
O
comportamento transmitido, sinal da inteligência dos soberbos mamíferos
marinhos que estão no topo da cadeia alimentar e não têm predadores,
vem sendo observado por biólogos que acompanham suas aventuras e
conhecem cada animal.
Eles
até especulam que a chefe do bando, a quem deram o nome de Gladis
Branca, pode ter sofrido um acidente traumatizante com um barco e passou
a vê-los como inimigos, ensinando aos outros animais, inclusive
filhotes, as artes do ataque.
É
uma especulação que bate com nossa tendência a antropomorfizar o
comportamento animal e desejar que os humanos sejam punidos por tantos
desastres causados à vida marinha – que melhor exemplo disso do que uma
orca vingativa que comanda uma campanha de vendeta contra uma injustiça
de anos? Dá até vontade de mandar o bando pegar uns certos invasores no
Mar Negro.
Foram
biólogos marinhos espanhóis, do instituto Orca Atlântica, que começaram
a chamar os animais identificados como agressores das embarcações —
quinze ao todo, divididos em dois grupos — de Gladis, branca, cinza,
negra, pequena e outros qualificativos. O apelido foi tirado da
designação Orca gladiator, a identificação da espécie da família
delfinoide feita em 1789 pelo naturalista francês Pierre Joseph
Bonnaterre.
O
instituto registrou um aumento das atividades das orcas organizadas
este ano no estreito de Gibraltar, com um total de 53 interações. O
biólogo Alberto López disse ao El País que na verdade “não sabemos” os
motivos dos ataques. A hipótese de que a orca chefe tenha sofrido um
acidente com uma embarcação não foi confirmada por sinais de traumatismo
em nenhum dos animais. Mas não descartam que “a experiência infeliz
tenha acontecido com um veleiro com linhas de pesca na popa e daí a sua
fixação com eles”.
As orcas da região comem atuns, peixes de 200 a 400 quilos, e aprenderam a buscá-los nos barcos de pesca que já os fisgaram.
Outro
lugar onde as orcas aprenderam novos comportamentos foi na altura de
Gansbaai, na África do Sul. Dois animais conhecidos pelos biólogos desde
2017 foram filmados por drones e helicópteros em outubro do ano passado
atacando um grande tubarão branco e indo direto ao que interessa: o
fígado, a parte mais nutritiva (os mais sensíveis devem evitar ver o
vídeo).
Ao
todo, os biólogos registraram sete tubarões mortos assim — tanto que os
predadores que viraram presa se afastaram da zona, criando o
desequilíbrio ecológico: o aumento de focas que, sem seus caçadores
naturais, interferem na população de pinguins africanos, seguindo a
cadeia alimentar. A orca chamada pelos biólogos de Estibordo aparece em
imagens “ensinando” a vários bandos de animais como atacar um tubarão
branco.
Imaginem
só: orcas refinando técnicas de caça e desenvolvendo um aprendizado que
as leva a alterar o meio ambiente — parecem até a espécie dos bípedes
especializados em bagunçar a natureza.
Orcas
têm um cardápio variado, dependendo da região onde vivem: atum, salmão,
focas e outros acepipes marinhos com os quais chegam a fazer a
brincadeira de gato e rato, cabeceando-os a vários metros acima do mar
para se divertir com a presa. Como têm um tamanho equivalente ao de
quarenta humanos, as focas ficam parecem mais leves do que uma bola de
vôlei.
Não
atacam humanos, ao contrário dos tubarões – as imagens da semana
passada de um banhista russo, Vladimir Popov, sendo morto por um tubarão
tigre quando nadava num resort no Mar Vermelho, no Egito, servirão para
traumatizar mais várias gerações. O banhista gritou “papai” várias
vezes, mas não houve tempo para nenhum socorro, nem do pai que estava na
praia nem dos salva-vidas. Ele foi estraçalhado em vinte segundos.
Como
saber o que move o bando “orca-nizado” e por quanto tempo a atividade
disruptiva vai continuar? As “destruidoras de barcos” estão virando
atração, além de estrelas das redes sociais. Como boas influenciadoras,
provavelmente vão querer aparecer mais e mais. E não faltarão humanos
que irão velejar na região só para ver as baleias assassinas.
Algo elas nos ensinarão.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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