BLOG ORLANDO TAMBOSI
Filha do notório Eduardo Cunha quer incluir "pessoas politicamente expostas" no mesmo rol das que sofrem discriminação por raça, cor ou etnia. André Marsiglia para a revista Crusoé:
Como
é um tema fértil, escrevi muito nesta coluna sobre a recente sentença
que proibiu o humorista Léo Lins de falar sobre quase todas as minorias
do mundo, mas, talvez por distração, a sentença tenha se esquecido de
proteger uma única minoria das piadas e críticas da nossa opinião
pública: a dos políticos processados e condenados. Tal desatenção
judicial não passou batida pelo nosso poder Legislativo que, num piscar
de olhos, trouxe à luz um projetinho porreta para acolher essa minoria
desguarnecida.
Não
é piada, leitor. Esta coluna é séria; não estou aqui para fazer rir.
Mas também não é minha culpa se no Brasil oscilamos do cômico ao
grotesco como um pêndulo de relógio antigo, e se escolhemos sempre punir
o cômico e reverenciar o grotesco, o que não deixa de ser cômico.
Sem
mais delongas, está em trâmite na Câmara dos Deputados o PL1748/23, da
deputada Dani Cunha – ela mesma, a filha de Eduardo Cunha –, que
pretende alterar a lei 7.716/89, que pune os crimes resultantes de
discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou procedência
nacional, para incluir nesse rol os políticos, por sua condição de
processados ou condenados.
Insisto, não é piada. E tem mais.
O
parágrafo único do artigo 1° do malfadado complemento à lei promovido
pelo PL cria para esse grupo historicamente fragilizado pela
fiscalização da imprensa a denominação de “pessoas politicamente
expostas”, e arremata a pataquada ao estender a proteção também a quem
exerce “função pública relevante” – se é que isso não é um paradoxo –,
e, claro, para “os familiares e outras pessoas do relacionamento” do
político.
Ou
seja, se um político for processado por corrupção, não apenas o
parlamentar e seus familiares serão protegidos do preconceito público,
mas também as pessoas de seu relacionamento: advogados e até mesmo as
pessoas que o levaram a se corromper. Todos estarão livres da crítica
dos jornalistas e formadores de opinião, que terão sua conduta
tipificada como crime de injúria e poderão ser condenados de dois a
cinco anos de prisão e multa. Poderia o projeto da deputada ter ao menos
a delicadeza de prever que não ficassem na mesma cela o jornalista
preso por denunciar e o político preso por corrupção. Mas não houve esta
fineza no texto.
Um
outro ponto curioso é que a condição de “pessoa politicamente exposta”
está restrita aos agentes públicos que sofrem processos ou são
condenados sem trânsito em julgado. Ou seja, se um jornalista criticar o
político antes do trânsito, preconceito; depois do trânsito, liberdade
de expressão. Por aí vemos que o projeto não apenas é um absurdo, como
também possui uma técnica jurídica bastante comprometida.
Torna-se
crime de preconceito também que os bancos neguem ao político processado
ou condenado a abertura ou manutenção de contas bancárias. Mas,
convenhamos, nem tratarei disso, pois a história nos tem mostrado que as
pessoas politicamente expostas preferem quase sempre se valer de outros
expedientes para alocar suas reservas.
A
existência de um Projeto de Lei que coloca políticos ao lado de negros e
nordestinos como sofredores de preconceito expõe ao ridículo a classe
política muito mais do que qualquer crítica. Mas tentativas como estas
nos permitem leituras de nosso tempo: mostram como a liberdade de
expressão se banalizou diante de qualquer alegação de preconceito. O
discurso de que alguém sofreu preconceito parece ter se tornado na
sensibilidade pública o suficiente para relativizarmos toda e qualquer
coisa, uma espécie de kryptonita à liberdade de expressão.
Mesmo
aos que comemoram tal relativização, cabe o alerta: o uso excessivo do
que venha a ser preconceito também torna inevitável seu caminho para
algum tipo de banalização, como faz este projeto de lei. Na última
semana, a imprensa noticiou que a Câmara desistiu de votar com urgência o
projeto. A única urgência que penso existir é a de que o retirem da
frente de nossos olhos o mais rápido possível.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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