Os reveses do governo com retirada da pauta do 'PL das Fake News' e derrota no decreto legislativo sobre saneamento indicam erros de gestão da base no Congresso e limites a pautas mais à esquerda. Fernando Dantas para o Estadão:
A
retirada do PL das Fake News da pauta da Câmara e a aprovação do
decreto legislativo, também na Câmara, que susta parcialmente os
decretos do governo que mudavam o Marco do Saneamento acenderam a luz
amarela em relação à governabilidade no terceiro mandato de Lula.
Pautas
mais decisivas para a estratégia econômica e política do governo estão a
caminho, como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária, e a
preocupação é sobre a capacidade de o Executivo aprovar esses projetos e
evitar que sejam muito desfigurados.
Ricardo
Ribeiro, sócio-fundador da consultoria Ponteio Política, diz que a
derrota do governo no saneamento era totalmente previsível desde que
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, se posicionou contra as
mudanças.
De
qualquer forma, junto com o que chama de "semiderrota" do PL das Fake
News (já que não foi uma iniciativa que nasceu no governo, mas que por
ele foi abraçada), o fiasco no saneamento indica, na visão do analista,
"um movimento de Lira, junto com partidos de centro e de centro-direita,
indicando que está na hora de fluírem recursos para emendas
parlamentares".
A
visão, expressa em crítica recente de Lira, é de que esse fluxo estaria
emperrado por falhas na atuação de Alexandre Padilha, ministro das
Relações Institucionais e responsável pela articulação entre Executivo e
Legislativo.
Porém,
apesar dos contratempos, Ribeiro mantém seu cenário básico de que o
novo arcabouço fiscal - na verdade, o substitutivo do projeto original
que será apresentado pelo relator, Cláudio Cajado (PP-BA) - será
aprovado pelo Congresso. Uma das mais fortes razões para isso é que Lira
é a favor da aprovação da nova regra fiscal.
O
analista da Ponteio observa ainda que a quantidade expressiva de votos,
295, pelo decreto legislativo contrário ao governo no saneamento mostra
que Lula não deve conseguir avançar em uma agenda econômica muito à
esquerda e estatista. Assim, ideias como reversão de privatizações ou
retirada da autonomia do BC ficarão apenas no desejo de correntes mais
radicais do petismo.
Mas
já em pautas que não batam de frente ideologicamente com o
centro/centro-direita que domina o Congresso, o atual governo pode ser
bem sucedido no Legislativo, na visão do analista. São os casos do novo
arcabouço fiscal e da reforma tributária.
O
cientista político Carlos Pereira (EBAPE-FGV), por sua vez, vê nos
recentes fiascos do governo no Congresso os sinais de uma incapacidade
de Lula e o PT aprenderem com erros do passado.
Na
sua visão, no presidencialismo de coalizão brasileiro, para que haja
governabilidade num governo apoiado por uma coalizão grande e
heterogênea, é preciso compartilhar poderes e recursos com os partidos
parceiros na medida da representatividade de cada um no Congresso - e
isso não está ocorrendo.
Como
exemplo, Pereira nota que o PT ou personagens não oficialmente do
partido, mas a ele vinculados de alguma forma por estarem no espectro da
esquerda (como Esther Dweck, ministra da Gestão e Inovação em Serviços
Públicos; Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e Cidadania; e
Nísia Trindade, ministra da Saúde), detêm mais de 20 pastas do
Ministério.
Já
o União Brasil tem hoje dois ministérios (Comunicações, com Juscelino
Filho, e Integração Nacional, com Waldez Góes) considerando-se que
Daniela Carneiro, ministra do Turismo, praticamente deixou o partido.
O
PT tem 68 deputados na Câmara e o União Brasil, 59. Mesmo levando em
conta que o União Brasil não se declara governista, o partido seria
parte da base (o conceito não é formal) de aliados que apoiaram Lula na
campanha e/ou comandam Ministérios. Na visão de Pereira, essa
discrepância entre votos no Congresso e participação efetiva no governo -
que não se limita, claro, ao citado contraste entre PT e União Brasil -
é um dos traços de uma gestão ineficiente do presidencialismo de
coalizão.
Esses desequilíbrios, para Pereira, criam ressentimento e animosidade entre os parceiros do governo.
O
cientista político também menciona a execução travada de emendas
parlamentares como outro fator prejudicial à governabilidade do
Executivo.
Pereira
não concorda com algumas justificativas para as dificuldades de Lula em
seu terceiro mandato, baseadas na ideia de que as condições políticas
pioraram.
No
caso da fragmentação partidária, ele observa que, embora o número
absoluto de partidos representados na Câmara tenha aumentado entre 2003 e
2023, o chamado "número efetivo" de partidos - indicador da ciência
política, baseado em fórmula matemática, e que aponta os partidos com
número de representantes no Legislativo grande o suficiente para ter
importância política - é bem parecido entre os dois períodos.
Segundo
Pereira, num sistema político como o brasileiro, em que o presidente da
República detém fortes poderes, falhas de governabilidade derivam de má
gestão política na relação com o Legislativo. Outras justificativas que
retiram a responsabilidade da presidência tendem a ser equivocadas.
Para
Pereira, o atual governo de Lula, cuja base detém maioria simples, e
não uma amplo domínio majoritário no Congresso, não pode se dar ao luxo
de errar na gestão do presidencialismo de coalizão. O governo está
vulnerável a flutuações de preferências da base, turbinadas pela falta
de coesão e disciplina.
Nesse
sentido, ele vê as recentes derrotas como "balões de ensaio" que dão ao
governo melhor leitura sobre com quem pode ou não contar. A partir
desse diagnóstico, Pereira considera imperativo que o governo faça
mudanças na sua forma de gerir a coalizão, de forma a ter uma maioria
mais coesa e disciplinada para difíceis votações que estão por vir. O
risco de não fazer nada é "perder capacidade governativa e ver os custos
[de batalhas no Congresso] aumentarem".
Uma bandeira do governo sobre a qual Pereira vê grande dificuldade de aprovação no Congresso é o voto de qualidade do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).
"Nas
fake news e no saneamento, ficou claro que o governo não tem base
sólida, vários partidos da base votaramcontra na sua quase totalidade",
ele comenta.
Outra
preocupação de Pereira é quanto à reforma tributária, com mudanças que
seriam complexas e difíceis - por mexerem com os interesses de múltiplos
setores - em qualquer lugar do mundo.
Postado há 2 days ago por Orlando Tambosi
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