Com publicação pela editora Urutau, A Nudez Extinta traz contos que abordam o trauma a partir de temas que vão do luto à destruição da natureza
"Algo
desmorona silenciosamente. A escrita de Isabela Sancho desafia as
forças de esmagamento, se fazendo guiar pela pulsação invisível,
cravando as unhas na superfície densa até perfurá-la com estados de
paixão e fúria."
Trecho da quarta capa, assinada por Karina Tengan
“A
narrativa é inundada por uma poética apurada, demarcando o momento em
que o retorno ao estado anterior não é mais possível. A casca rachada da
jaca revela a carne exposta, o desarranjo próprio do trauma”
Trecho da apresentação do livro, em orelha assinada por Drielle Alarcon
Primeira publicação em prosa da escritora, ilustradora e psicanalista Isabela Sancho (@isabela.sancho), conhecida por seus títulos em poesia A depressão tem sete andares e um elevador (Editora Penalux), que recebeu menção honrosa no Prémio Literário Glória de Sant'Anna, Portugal, e Monstera (Editora Urutau), que foi finalista do Prêmio Guarulhos de Literatura, o livro de contos A Nudez Extinta (Editora Urutau, 113 pág.), lançado no início deste ano, revela um novo processo criativo da escritora, que também perpassa sua relação com a psicanálise.
Ao trazer as diferentes nuances do trauma, A Nudez Extinta
explora uma diversidade de temas como o luto e o isolamento familiar, a
repressão estrutural contra grupos dissidentes, o esvaziamento
psíquico, a ideação suicida e, até mesmo, a destruição do meio-ambiente.
Deste modo, o livro também apresenta uma pluralidade de personagens
(que variam em faixa etária, gênero, sexualidade, e incluem, até mesmo,
figuras não-humanas, como animais e plantas), mas que se vêem em um eixo
comum. "Todas são marcadas por alguma perda irreversível", afirma
Isabela.
A
autora também comenta que os temas trabalhados estão muito presentes em
seu trabalho como psicanalista, o que impactou a escrita de A Nudez Extinta. “Lido diariamente
com o traumático em suas mais diferentes formas, precisando alargar em
mim o espaço para a alteridade. Esses temas me permitiram um
deslocamento para além de mim mesma", explica.
Escritora, ilustradora e psicanalista: as várias nuances de Isabela Sancho
Isabela
Sancho é escritora, ilustradora e psicanalista. Com uma extensa
trajetória na poesia, que acumula sete obras, além de um livro
infantils, Sancho também alcançou certa notoriedade ao longo dos anos,
tendo sido vencedora do Prêmio Literatura e Fechadura com Olho d'água, espelho d'alma, finalista do Prêmio Guarulhos de Literatura por Monstera (Editora Urutau) e recebido Menção Honrosa por duas vezes no Prémio Literário Glória de Sant'Anna, de Portugal, com os livros As flores se recusam (Editora Patuá) e A depressão tem sete andares e um elevador (Editora Penalux).
Como ilustradora, Sancho é mais conhecida por seus trabalhos no livro de poemas As Mulheres de Hopper (Editora Patuá), obra da poeta Kátia Marchese — vencedora do ProAC/SP na categoria de poesia —, e no livro de contos Tantas que aqui passaram, da
escritora e editora Maria Luiza Machado, idealizadora da Mormaço
Editorial. Sancho também ilustrou as próprias obras, incluindo seu mais
recente lançamento, A Nudez Extinta.
Com
traços muito sutis, as ilustrações de Sancho trazem imagens
aparentemente simples — como um bule de café, por exemplo — que incitam
certo estranhamento, abrindo para uma gama de interpretações, num
processo semelhante ao da poesia. Ela afirma que a ilustração e a
escrita partilham de um aspecto comum: a percepção a partir do campo do
imagético. "Costumo partir de cenas que me impactam, que deixam uma
forte marca na memória", conta.
Na
prosa e na poesia, porém, a maneira como esses recursos são trabalhados
por Isabela é distinta. O processo de escrita de poemas envolve um
trabalho com a sonoridade do texto, ao passo que, na escrita de contos, a
preocupação da autora é com o estabelecimento de temporalidade, espaço,
detalhes e sutilezas entre os seres que habitam a narrativa.
Para
Isabela, o processo da prosa adquire uma forma distinta, com seus
desafios particulares, exigindo "um tatear às cegas". “Boa parte do
tempo, escrevo à revelia do sentido contido na história,
desconhecendo-o, mas querendo crer que está à espreita e que, em algum
momento, se revelará. Quando isso acontece - se acontece -, retorno ao
início, e passo a trabalhar suas entrelinhas de acordo."
Alçando vôos: os novos projetos de Isabela Sancho
Além do recente lançamento de A Nudez Extinta, Isabela não encerra as publicações para este ano. A autora também está lançando duas plaquetes de poesia: Encavalave, via editora Primata, que conta com ilustrações da autora, e Urna de pólen,
via Mormaço Editorial, que traz um diálogo com a artista Flora
Nakazone, contando também com uma versão audiovisual dos poemas.
Para o futuro, Isabela continua a se dedicar à escrita da prosa, com um novo projeto literário.
Confira um trecho do conto A nudez extinta, título que também dá nome ao livro:
"[...]
Tudo
reluz na sala de análises e charutos, até mesmo as sombras. Uma
penumbra encorpada, essa das cúpulas sobre os longos sofás de couro. E
as estantes de mogno envernizado, e as garrafas de whisky conformando a
fluidez. As camurças que forram as paredes, acolchoam os olhos, os
ombros. Ao alcance, um globo sépia que faço correr sob a palma da mão.
Meu
kimono fica bem sem mim, sobre o divã: semidesmaiado, o dragão prateado
se enrola entre as flores de cerejeira, murchando a seu bel prazer. No
espelho recostado, a dama de espadas pisca, me sorri de volta, e minhas
tatuagens ganham vida para depois sumir, destituídas: Alê, meu nome
sorvido queixo acima — escuto a faca se afundar na coxa, a bigorna ser
martelada; vejo a caveira emergir no antebraço, o crânio do apache ser
escapelado, a cabeça de lobo suspender-se no ombro; embaralham-se os
alfabetos nas canelas, desbotam-se os ideogramas dos pés, apagam-se os
hieróglifos dos punhos; engolfa-me a onda japonesa às costas; pressinto a
fuga das carpas pelas coxas, o mergulho da sereia, deglutida; sinto as
rosas entrelaçadas nas escápulas se desamarrarem e o coração anatômico
se arrancar da flecha no ventre.
Se agora houvesse um homem, conheceria minha nudez completa, longínqua, extinta. A nudez da qual me despedi aos treze anos.
[...]"
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