BLOG ORLANDO TAMBOSI
A ideia é apertar o controle de preços – uma tática que evidentemente piora ainda mais as coisas num país com 108% de inflação e juros a 97%. Vilma Gryzinski:
Por
terem vivenciado ou lido a respeito, muitos brasileiros talvez se
recordem do que virou um clássico da insanidade governamental: policiais
federais tentando laçar bois que pecuaristas “escondiam” nos pastos,
para não vender a preços tabelados na época da nossa híper, no governo
Sarney.
A
mesma insanidade, que seria ridícula caso não envolvesse o trágico
empobrecimento que políticas econômicas surreais estão provocando na Argentina, está sendo repetida pelos nossos vizinhos.
Fiscais
da AFIP, equivalente à Receita Federal, foram ao Mercado Central de
Buenos Aires controlar os preços de produtos importados como suculentas
mangas brasileiras, bananas, abacaxis e outros perigosos agentes
infiltrados.
“Está
sendo controlada a traçabilidade dos alimentos importados e de produção
local com distorções de preço”, disse o órgão, sem atentar para a
triste ironia de que, nas condições atuais, esfarela-se ao vento o
próprio conceito de formação de preços.
É
impossível desativar a bomba, pelos parâmetros do arremedo de governo
atual. Assim, o ministro da Economia, Sergio Massa, tenta criminalizar
as mangas, um dos pontos do novo pacote econômico, mais um de uma
sequência que, inevitavelmente, produz efeito zero, quando não resultado
oposto ao desejado.
Por
exemplo, um dos pontos do pacote é o aumento das taxas de juro para 97%
(estava em 91%), uma tentativa de afogado de convencer os investidores a
colocar seus recursos em pesos e não escapar para o dólar, como todo
mundo faz num barco já rachado pelo iceberg. Massa e sua equipe
consideram uma vitória que o dólar no paralelo – um dos quinze tipos de
câmbio existentes na Argentina – não tenha chegado a 500 pesos. Apenas
chegou perto.
Como
não há mais reservas, Massa, que acaba de levar uma típica rasteira de
Cristina Kirchner em suas ambições presidenciais, tem poucas
alternativas para segurar a explosão do dólar e o aumento de preços. No
Infobae, um integrante do governo resumiu o espírito da coisa: “Não tem
mais muito o que se possa fazer. Esperar que o FMI adiante desembolsos,
insistir com o swap chinês, são todas ações marginais”.
Muitos,
realisticamente, já desistiram de esperar que que o governo brasileiro
convença o FMI a “tirar a faca do pescoço” da Argentina, nas palavras
equivocadas do presidente Lula da Silva. Na verdade, é a Argentina quem
encosta a faca no próprio pescoço e assusta o FMI: o tamanho de sua
desgraça ameaça uma derrocada daquelas, com o risco de contaminação para
outros endividados.
A nova e aterradora perspectiva é que a taxa de inflação atinja dois dígitos agora em maio.
“Existe
consciência de tudo que está em jogo nesse 2023/24, do desafio que
temos pela frente?”, perguntou o consultor econômico Esteban Domecq, ao
fazer um resumo da derrocada argentina.
“Em
cinco décadas, o PIB por habitante da América Latina aumentou 110%. No
mesmo período, o da Argentina subiu apenas 15%, produto de dezoito anos
recessivos, quatro eventos disruptivos e dois períodos de paralisia
estrutural”.
As
crises mencionadas abarcam governos de diferentes tendências
ideológicas, mas é preciso lembrar que o peronismo governa o país desde
2003, com um interregno dos quatro nada positivos anos de Mauricio
Macri.
A
tática dos peronistas no momento é insuflar confrontos com Javier
Milei, o “anarcocapitalista” que está rachando a oposição com seu
programa alucinado, mas efetivo para atrair a parte da população mais
desiludida com “tudo isso que está aí”.
O
presidente Alberto Fernández, que ainda se considera um ator político
relevante (coro de risadas ao fundo), foi o último a atacar Milei,
chamando-o de “energúmeno” e produto do “império mediático”. Se existia
alguma coisa boa em Alberto era o discurso menos abrasivo do que o dos
kirchneristas. Nem isso sobrou.
Milei,
cada vez mais parecido com Bilbo Bolseiro, hobbit dos filmes do Senhor
dos Anéis, só tem a ganhar com os ataques. Uma pesquisa mais recente
mostra o seguinte quadro: a coalizão oposicionista, Juntos Pela Mudança,
teria 32% na eleição presidencial; a Frente de Todos, com o peronismo
no comando, ficaria com 25%; os libertários de Millei, 22%.
A
oposição tem assim o total de 54% dos votos, mas, como tantas outras
coisas na Argentina, isso é firme como andar sobre um mar de gelatina.
Quem pode prever o que fará Milei depois do primeiro turno?
Escrevendo
no Clarín, Gonzalo Abascal disse que “Frankenstein foi parido por anos
de caos econômico. Milei é filho da inflação. Se o governo quer um
‘culpado’, deveria olhar a si mesmo”.
Caçar
mangas no mercadão de Buenos Aires não muda um milímetro dessa
realidade. A única utilidade é pedagógica, mas aqueles a quem o
cataclisma argentino poderia beneficiar como mau exemplo acreditam
firmemente que podem fazer a mesma coisa e conseguir resultados
diferentes. Todo mundo sabe o que isso significa.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi

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