blog orlando tambosi
A decisão de Alexandre de Moraes contra o Google e outras empresas se presta a arbitrar o que pode ser dito na discussão sobre regulação das redes sociais e, por isso, tem de ser cassada. Editorial do Estadão:
Não
é nenhum segredo que o Projeto de Lei (PL) 2.630/2020, sobre o novo
marco regulatório para as plataformas digitais, afeta os interesses
comerciais e financeiros das Big Techs. Do mesmo modo como fizeram em
outros países e na União Europeia, essas empresas não apenas se opõem a
todo incremento de regulamentação do setor e, consequentemente, de suas
responsabilidades, como utilizam seu desproporcional poderio para
influenciar o debate público. Tal atuação, muitas vezes sem
transparência e por meios no mínimo questionáveis, só evidencia a
necessidade de o Congresso prover um novo e adequado tratamento legal do
setor.
É
também evidente que há abundante e disseminada desinformação sobre o PL
2.630/2020. Em vez de ser ocasião de estudo e aprofundamento do tema,
parece que o debate público sobre o projeto tem se tornado, a cada dia,
mais raso, menos objetivo, mais impermeável à racionalidade. De fato, o
assunto não é simples, tem muitos matizes, exige atenção, mas é triste
ver o País refém de narrativas manipuladoras.
Todo
esse cenário é sumamente desafiador. No entanto, nada disso autoriza a
decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal
(STF), proferida, no dia 2 de maio, no âmbito do Inquérito 4.781/DF, que
investiga fake news e ameaças contra o Supremo e seus membros. Ele
determinou a remoção integral, por parte do Google, da Meta
(proprietária do Facebook, Instagram e WhatsApp), do Spotify e da
produtora de vídeos Brasil Paralelo, de “todos os anúncios, textos e
informações veiculados, propagados e impulsionados a partir do blog
oficial do Google com ataques ao PL 2630, inclusive aqueles que se
referem como ‘PL da Censura’, ‘Como o PL 2630 pode piorar a sua
internet’, ‘O que o PL 2630 pode impactar a internet que você conhece’,
sob pena de multa de R$ 150 mil por hora de descumprimento por cada
anúncio”.
Proferida
de ofício, a decisão de Alexandre de Moraes determina ainda, entre
outras medidas, que as empresas Brasil Paralelo e Spotify informem, em
48 horas, “os métodos e algoritmos de impulsionamento e induzimento à
busca sobre ‘PL da Censura’, bem como os motivos de terem veiculado
anúncio político do Google”.
Há
graves erros na decisão de Alexandre de Moraes. Em primeiro lugar, ela
se baseia em uma profunda incompreensão do papel do Judiciário no Estado
Democrático de Direito. Nenhum juiz é árbitro do debate público no
País, menos ainda com decisões de ofício, menos ainda sobre projetos de
lei em tramitação no Congresso Nacional. Absolutamente descabido, o
papel de tutor arvorado pelo ministro do STF agride profundamente a
liberdade de expressão e o exercício da cidadania.
Além
disso, o Inquérito 4.781/DF tem por objeto a desinformação e as ameaças
contra o STF e seus integrantes. Não tem nenhuma relação com as medidas
ordenadas por Alexandre de Moraes, que se referem a anúncios e textos
sobre projeto de lei em tramitação no Congresso. Ou seja, ao determinar
no âmbito desse inquérito a remoção de conteúdo sobre o PL 2.630/2020 e
outras medidas afins, o ministro do STF agiu muito além dos limites de
sua competência.
A
decisão tem também sérias deficiências de fundamentação. Não basta o
relator do Inquérito 4.781/DF dizer, por exemplo, que “a liberdade de
expressão não é liberdade de agressão” ou que “as redes sociais não são
terra sem lei”. Mesmo que dispusesse de atribuição jurisdicional para
atuar assim, o magistrado teria, no mínimo, de indicar onde os conteúdos
que precisam ser removidos agridem terceiros ou desrespeitam a lei. Não
há nada disso na decisão de 2 de maio.
Por
último, mas não menos importante, Alexandre de Moraes levantou o sigilo
tão somente da decisão. O restante do Inquérito 4.781/DF permanece
longe dos olhos do público. É o sigilo sob conveniência: o magistrado
expõe apenas o que (e quando) lhe interessa.
O
STF não pode se omitir. É preciso cassar, com urgência, a decisão de
Alexandre de Moraes, preservando, assim, o bom trabalho feito até aqui
em defesa do Estado Democrático de Direito.
Postado há 2 days ago por Orlando Tambosi
.jpg)
Nenhum comentário:
Postar um comentário