MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 1 de abril de 2023

Quando o computador superar o próprio computador

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

A computação quântica resolveria em segundos um cálculo que um computador normal levaria “dezenas de milhares de anos”. Dagomir Marquezi para a Oeste:


Você já está planejando comprar um CQ? Ainda nem pensou nisso?

CQ é a sigla para computador quântico. E, na verdade, ninguém comprou um ainda. A rapidíssima popularização dos serviços à base de inteligência artificial (como o ChatGPT) pode dar a ilusão que computadores quânticos estarão disponíveis nas lojas para o próximo Natal, em dez prestações sem juros.

A verdade é que os CQs ainda estão sendo desenvolvidos em gigatechs, como IBM, Accenture, Honeywell e Microsoft. A Google está construindo um laboratório em Santa Barbara, Califórnia, que deverá contar com centenas de funcionários e uma fábrica de chips de processamento quântico até 2029. Calcula-se que sejam uma realidade comercial só daqui 20 anos. Mas a gente nunca sabe…

Afinal, o que é a computação quântica? Basicamente a computação “clássica”, ou tradicional, opera à base de bits binários. Tudo, inclusive este texto, é reduzido a dois bits, 0 e 1. A computação quântica não usa bits, mas qubits, que são estados múltiplos que variam entre 0 e 1. Esses qubits agem num “emaranhado” de informações que se comunicam simultaneamente, atingindo resultados de maneira muito mais eficiente e rápida do que os computadores clássicos.

Dois exemplos disso. Em 2019, uma equipe da Google conseguiu resolver em segundos um cálculo que um computador normal levaria “dezenas de milhares de anos”. O mesmo aconteceu com um CQ da empresa Xanadu, que resolveu um problema chamado “Gaussian boson sampling” em menos de um segundo. Um supercomputador clássico gastaria cerca de 9 mil anos para solucionar o mesmo problema.

Se você quiser ter um primeiro contato com a computação quântica, pode se inscrever no laboratório do IBM Quantum. É uma boa oportunidade para perceber quanto nós, leigos, estamos longe desse universo. Não espere absolutamente nada simples, como “dar um Google”. Se você não for da área, provavelmente não vai entender nada do que acontece nesse laboratório.

Dario Gil, diretor da IBM Research, em frente ao computador quântico IBM Q System One. A máquina é lacrada em um cubo de vidro preto, para proteger do frio e vedar de ruídos e interferências do universo 

O restaurante e a empresa aérea global

Um artigo da revista MIT Sloan Management Review define tecnicamente que todos esses pesquisadores estão em busca da “vantagem quântica”. Ou seja, buscam provas de que um CQ consiga executar um cálculo impossível de ser resolvido num computador binário normal. Ultimamente, essa busca também está levando a uma meta mais prática — a “vantagem econômica quântica”, ou seja, quando o CQ consegue oferecer soluções de business mais avançadas que um computador convencional.

O uso da computação quântica visa à solução dos chamados “combinatorial optmization problems”, ou problemas de otimização combinatória. Um exemplo simples: restaurante pretende criar um novo menu. É preciso otimizar ao mesmo tempo a aquisição dos ingredientes, o estilo do chef, a expectativa dos clientes, as condições climáticas. Num caso como esse, apesar das muitas variáveis, a otimização pode ser realizada até de cabeça e anotada num caderno.

Mas imagine administrar uma empresa aérea de alcance global. Você tem de lidar a cada segundo com a situação e a localização de cada um dos seus aviões. Precisa saber as condições climáticas em cada aeroporto, em cada rota. Necessita lidar com centenas de funcionários, atendentes, pilotos e comissários de bordo. Necessita tomar decisões urgentes, como lidar com greves de funcionários, arrumar acomodações para passageiros impedidos de voar por causa das condições meteorológicas ou problemas técnicos, precisa monitorar dezenas de bagagens que se extraviam etc. E você não pode resolver um problema de cada vez. Tudo acontece ao mesmo tempo, o tempo todo, segundo a segundo. É um caso clássico (e assustador) de problema de otimização combinatória.


Cinco aplicações práticas para a CQ

Em artigo para a Harvard Business Review, os autores Jonathan Ruane, Andrew McAfee, e William D. Oliver escrevem que, apesar de todos os investimentos, um computador quântico à venda no mercado não é para já. Eles lembram que o transistor foi inventado em 1947, o primeiro chip de 4 bits só apareceu 25 anos depois, e precisamos esperar mais um quarto de século para que a Pentium apresentasse seu chip com o equivalente a milhões de transistores. Uma coisa é desenvolver um programa. Outro é dar saltos em hardware. Esse processo demora muito mais.

Além disso, com todo seu potencial, os qubits não são fáceis de lidar. Eles duram pouco e sofrem interferência de vibração, temperatura e outros fatores externos. Podem proporcionar milagres, mas são instáveis, e no atual estágio de desenvolvimento essa instabilidade pode levar a erros. São as dores do parto.

O artigo da Harvard Business Review levanta alguns ramos de atividade econômica em que os computadores quânticos poderão ser usados:

Simulação — Em áreas como química, energia e farmacêutica, experiências que durariam anos e custariam um monte de dinheiro, a CQ pode cortar o caminho, com o atalho da simulação. Dezessete empresas farmacêuticas (entre elas AbbVie, Bayer, GSK, Takeda e Pfizer) formaram o consórcio QuFarm, para acelerar o progresso na área, simulando a ação de drogas ainda experimentais;

Sistemas lineares — É esse sistema que faz com que a Netflix sugira os filmes e as séries que atingem seus milhões de clientes. O uso de CQ com sistemas lineares poderá capacitar os computadores a criarem universos ficcionais completos para uso em filmes e animações. O mesmo princípio terá a capacidade de produzir DNAs sintéticos, que poderão gerar moléculas ainda não existentes para o tratamento do câncer;

Otimização — Na computação clássica, algoritmos para a otimização determinam qual o melhor cenário para chegar a um objetivo específico. A otimização quântica poderá acelerar e aperfeiçoar esse processo, especialmente em instituições financeiras. Empresas como Goldman Sachs e JPMorgan Chase já estão investindo fundo nessa possibilidade;

Busca não estruturada — Usando um exemplo muito simplista, quando você pede para um computador convencional buscar, numa lista de 1 milhão de pessoas, quantas possuem a letra W no seu nome, ele vai encontrar e entregar o resultado. Se você perguntar quantas possuem a letra Y, o computador vai começar tudo de novo. Com a computação quântica, o conhecimento da primeira busca fica registrado para ajudar na segunda, na terceira etc. Esse princípio serve para processar transações de cartão de crédito e até para buscar sinais de inteligência extraterrestre ou mapear sequências de DNA para encontrar problemas cardíacos;

Fatoração e criptografia — Aqui entramos no território que vai da senha do seu cartão de crédito à segurança de um sistema de armas nucleares. Um hacker, de posse de um computador quântico, teoricamente vai ter a capacidade de penetrar em qualquer forma de segurança. Essa é uma das razões por que a tecnologia de CQ vai ter de ser mais aperfeiçoada antes de ser lançada no mercado. Sistemas de segurança precisam estar à altura desses novos desafios.


Longe do nosso cotidiano

Mas a utilização da computação quântica nos negócios já começa a ser projetada. Em maio de 2022, o Itaú deu um susto no mercado, ao lançar um release com o seguinte título: “Itaú e QC Ware usam princípios de computação quântica para fortalecer retenção de clientes”. Mas o Itaú está usando apenas alguns princípios baseados no algoritmo desenvolvido pela empresa QC Ware, para tentar manter a fidelidade de clientes, tentando prever quais deixariam o banco num prazo de três meses. (O Itaú e o Bradesco foram procurados, mas não quiseram conversar com Oeste a respeito.)

Ao contrário do que está acontecendo com a inteligência artificial, a computação quântica está ainda longe do nosso cotidiano. Eduardo Inacio Duzzioni, físico da Universidade de Santa Catarina, se especializou em CQ e contou para Oeste que o entusiasmo por essa nova tecnologia não pode ser confundido com a realidade:

“Não há nenhum caso divulgado em que a computação quântica tenha fornecido alguma vantagem computacional em um problema prático nos dias atuais”, afirma Duzzioni. “Alguns casos divulgados por startups de CQ afirmam ter vantagem, mas muitas vezes comparam seus exemplos com PCs de uso comum. Se compararmos todas as métricas envolvidas, desde os custos do equipamento etc., não há vantagem ainda. Estamos trabalhando para chegar lá. Outras empresas alegam ter obtido sucesso através da CQ, mas na verdade utilizam uma computação clássica inspirada em computação quântica. Portanto, não é CQ”.


Então estamos na estaca zero? Não exatamente, segundo Eduardo Duzzioni. “Outra maneira de utilizar a CQ no seu cotidiano consiste em realizar pesquisas sobre o tema, desenvolver provas de conceito do problema industrial usando computadores quânticos, formar pessoal para esse novo mercado de trabalho etc. Nesse caso, conheço algumas instituições públicas e privadas que estão trabalhando no tema, tais como Itaú-Unibanco; Bradesco; Klabin; Petrobrás; algumas startups, como Quanby, Brazil Quantum, DualQ; universidades, como UFSC, CBPF, UFSCar, UFF, UFRJ, UFMG, UFSM, UFPE, USP; além das Forças Armadas do Brasil e Senai-Cimatec.”

Temos equipamento para desenvolver a computação quântica no Brasil? “O hardware baseado em qubits supercondutores para CQ vem sendo desenvolvido através de uma colaboração entre o CBPF e a Unicamp. A IBM possui parcerias com várias empresas em todo o globo. As notícias divulgadas sobre os resultados da utilização dos hardwares da IBM por essas empresas são que as mesmas ainda estão em fase de adaptação, procurando descobrir em quais etapas dos seus processos produtivos a CQ melhor se encaixa. Os resultados conhecidos envolvem apenas provas de conceito de problemas reais, já que os computadores quânticos atuais possuem poucos qubits e sofrem com forte ruído.”

Eduardo Duzzioni acha cedo para identificar a quais áreas da economia brasileira a computação quântica poderia dar sua maior contribuição. “Alguns setores da economia brasileira que podem ser impactados pela CQ são os setores financeiro, óleo e gás, logística, agricultura, energia, saúde e bioquímico. Até o momento, a visão que temos é que a CQ só apresenta vantagem no processamento e no armazenamento de grande volume de dados, em outras palavras, em processos que possuem maior grau de complexidade. Por isso grandes corporações e governos são os mais interessados em CQ, uma vez que também envolve segurança cibernética.”

“Máquinas complexas operadas por especialistas”

E quanto a nós, pequenos empresários e usuários individuais? “Ainda não é possível prever se os computadores quânticos serão acessíveis por pessoas comuns e pequenas empresas, ainda que remotamente pela nuvem, pois quando os mesmos estiverem funcionando como esperado (com um grande número de qubits e sem erros) o acesso será muito caro, dado o seu grande poder computacional. Talvez a CQ seja uma tecnologia vantajosa financeiramente apenas para grandes corporações.”

Ivan de Oliveira, pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas do Rio de Janeiro, tem a mesma expectativa: “Espera-se que a CQ esteja plenamente desenvolvida entre 20 e 30 anos. Ela vai revolucionar todas as áreas do conhecimento, mas os efeitos dessa revolução chegará ao cidadão comum de forma indireta, como, por exemplo: descoberta de novos fármacos, desenvolvimento da IA com todas as suas aplicações, design de novos materiais para aplicações tecnológicas, e um sem-número de aplicações na ciência básica. Os computadores quânticos, pelo menos na escala de tempo mencionada, serão máquinas complexas operadas por especialistas. O cidadão leigo não terá acesso a computadores quânticos da mesma forma que acessam os computadores usuais. Mas irá se beneficiar imensamente deles”.

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