BLOG ORLANDO TAMBOSI
A postura "sulglobalista" de Lula se encaixa em tendência internacional de grandes emergentes, mas a questão é saber o que o Brasil ganha com isso. E com certeza posições sobre guerra na Ucrânia são vergonhosas. Fernando Dantas para o Estadão:
A recepção de Lula ao chanceler russo Sergei Lavrov e a postura quase complacente do governo brasileiro à invasão da Ucrânia são profundamente lamentáveis.
Embora
o Brasil tenha pouco cacife numa questão como a guerra de agressão
russa - o que limita o estrago da posição de Lula -, é vergonhoso para
os brasileiros essa benevolência com a aventura guerreira da ditadura de
Putin, que tem elementos fascistas, assim como o bolsonarismo que o
atual presidente do Brasil derrotou nas urnas.
Tomando-se
o pano de fundo mais amplo da posição "sulglobalina" que o governo Lula
persegue nas relações exteriores, entretanto, é inegável que se trata
de um movimento que não ocorre no vácuo. A contestação à hegemonia
americana e do chamado "ocidente", em nome de uma geopolítica
multipolar, está na ordem do dia.
É
bom frisar que, apesar de muitos brasileiros se considerarem
ocidentais, a definição do termo no establishment anglo-americano exclui
a América Latina. O Ocidente, nessa abordagem, compreende os dois
países desenvolvidos da América do Norte, a Europa Ocidental e mesmo
países geograficamente orientais como Austrália e Nova Zelândia. Japão e
Coreia do Sul são aliados e um ou outro país da Europa Central e
Oriental são admissíveis no clube.
No
mundo atual, é inegável que países emergentes populosos e com economias
relevantes, como China, Rússia, Índia, Turquia, África do Sul e Brasil,
buscam de alguma forma, e em diferentes medidas, se contrapor - o que
não significa renegá-la inteiramente - à ordem mundial renascida ao fim
da segunda guerra mundial e regida pelo ocidente (não que antes não o
fosse).
Em artigo publicado ontem no Financial Times,
o principal analista de política internacional do jornal britânico,
Gideon Rachman, trata exatamente desse confronto, e cita com destaque a
visita recente de Lula à China, a posição do presidente do Brasil em
relação à Ucrânia e seu questionamento à hegemonia do dólar.
Rachman
menciona também um comentário do ministro das Relações Exteriores da
Índia, S Jaishankar, criticando as sanções à Rússia (por causarem
problemas econômicos globais que afetam os emergentes). Segundo o
indiano, a Europa pensa que "os problemas da Europa são problemas do
mundo, mas os problemas do mundo não são problemas da Europa".
E, como nota Louis-Vincent Gave, CEO da Gavekal, empresa internacional de pesquisa financeira, em recente relatório, a desdolarização da economia global é uma ideia que está ganhando fôlego.
Gave
aponta algumas razões econômicas, para além das geopolíticas, que
justificariam a contestação do dólar como moeda global e dos Estados
Unidos como o regente da ordem econômica internacional.
Uma
delas é que grande parte das crises econômicas globais recentes
deveu-se a excessos cometidos principalmente nos Estados Unidos. Outra
seria o fato de que os Estados Unidos, preocupados com a competição
chinesa e na ânsia de se reindustrializar, meio que abandonaram a
política do "dólar forte" dos anos 90 e 2000. O fim dessa postura
complacente com a geração de grandes superávits por parceiros comerciais
pode antagonizar grandes sócios da aliança ocidental, como Alemanha e
Japão.
Segundo
o CEO da Gavekal, "a desdolarização não ocorrerá do dia para a noite,
mas uma nova retórica surgiu nos mercados de câmbio, e uma nova
tendência parece estar se acomodando".
De
qualquer forma, mesmo que a diplomacia do terceiro mandato de Lula
esteja buscando se sintonizar com uma melodia de contestação ao ocidente
que efetivamente ressoa hoje no mundo, resta saber em que esse
posicionamento será útil para melhorar o bem-estar do povo brasileiro.
Certamente,
uma maior parceria econômica com a China pode trazer muitas vantagens,
mas muitos países, inclusive aliados próximos dos Estados Unidos,
perseguem esse mesmo objetivo com relativa benevolência do governo
americano. Não é preciso passar pano para a indefensável invasão da
Ucrânia para isso.
No
cenário brasileiro interno, a democracia ressurgiu como questão aguda
durante o governo Bolsonaro, com todos os seus ímpetos autoritários e
suas ações contra a institucionalidade democrática. É bom recordar que,
no passado recente, o próprio PT, de forma exagerada e muitas vezes
injusta (na visão da coluna), também foi acusado de nutrir planos
antidemocráticos.
Dessa
forma, a camaradagem de Lula com o regime de Putin e a "compreensão"
tácita da invasão de uma nação democrática por um país ditatorial só
servem para redespertar velhas paranoias em relação ao compromisso
democrático do PT. Além de vergonhosa e imoral, é um posição
contraprodutiva.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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