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Na média global, a liberdade acadêmica regrediu para os patamares de quatro décadas atrás, segundo o estudo, e corre o risco de atingir o nível mundial médio de 1960, caso o declínio não seja freado. El Vieira para a Gazeta do Povo:
A
edição mais recente do Índice de Liberdade Acadêmica (ILA), elaborado
por pesquisadores da Universidade de Erlangen-Nuremberg na Alemanha e
outras três instituições, aponta uma estagnação da liberdade acadêmica
152 dos 179 países analisados, além de declínio em 22 deles, inclusive o
Brasil. Somente em cinco pequenos países houve melhoria. Lançado neste
mês, o relatório compara os dados mais recentes, de 2022, com os de uma
década antes. “A liberdade acadêmica está recuando para mais da metade
da população do mundo”, comenta o documento. Na média global, a
liberdade acadêmica regrediu para os patamares de quatro décadas atrás,
segundo o estudo, e corre o risco de atingir o nível mundial médio de
1960, caso o declínio não seja freado.
A
análise observa indicadores de liberdade de pesquisar e ensinar, de
intercâmbio acadêmico e disseminação, de expressão acadêmica e cultural,
além de autonomia institucional e integridade do campus. Para cravar
que houve crescimento ou queda, os pesquisadores levam em conta mudanças
estatisticamente significativas. Ou seja, diferenças de poucos pontos
percentuais entre 2012 e 2022, que não ultrapassam a “margem de erro”,
são consideradas estagnação.
O
arquipélago das Seicheles, na África, teve o maior salto positivo,
subindo para a marca dos 20% mais livres academicamente. Também subiram
no índice Montenegro, Gâmbia, Cazaquistão e Uzbequistão — o que não
significa que a nota foi alta. O Uzbequistão, por exemplo, que é uma
ditadura com 34 milhões de habitantes, está entre os 30% menos livres.
Nos
que tiveram queda significativa, além do Brasil, estão Uruguai, Reino
Unido, Estados Unidos, México, El Salvador, Ucrânia, Índia, Hungria,
Rússia, Hong Kong, Nicarágua e China. As piores notas das Américas são
de Cuba e Nicarágua, países que vivem sob ditaduras socialistas. Ambos
estão entre os 10% mais censórios e autoritários, e a Venezuela está
entre os 20% piores.
O
relatório, que detecta uma marcada diferença entre democracias e
autocracias, explica que a Índia, por exemplo, saiu de um nível
“relativamente alto” de liberdade acadêmica em 2012 e teve uma queda
“associada a uma aceleração rápida” em tendências autocráticas
especialmente após a eleição do governo nacionalista hindu de Narendra
Modi em 2014 e após “o colapso da democracia eleitoral em 2016,
resultando em uma autocracia eleitoral”.
A
China mostra uma variação de um regime já fechado que piorou — o
período analisado coincide com o mandato de Xi Jinping. Todas as
universidades chinesas se curvam à ideologia do Partido Comunista, que
tem representantes em cada campus. A ditadura comunista também puxou
para baixo Hong Kong, com níveis sem precedentes de interferência desde a
devolução do Reino Unido.
Já
nos Estados Unidos, onde a política local é mais importante que a
federal, “estados individuais interferem cada vez mais em assuntos
acadêmicos”, explica o documento. O relatório cita nove estados sob
governo do Partido Republicano que passaram leis que banem o ensino da
“teoria crítica da raça” em instituições de ensino superior. A “teoria”
prega que negros devem ter tratamento especial para corrigir injustiças
históricas, e que o tratamento igual seria em si racista.
O
documento também destaca o México, no qual a liberdade acadêmica
estaria em risco por causa do “uso do governo da política fiscal e
decisões de nomeação para aprofundar o controle das universidades”,
especialmente a partir de 2017. Um dos principais responsáveis seria o
presidente de esquerda Andrés Manuel López Obrador, cujo governo “minou a
autonomia universitária” através de “medidas duras de austeridade”,
além da priorização de “problemas nacionais” na pesquisa. A nomeação de
reitores unilateralmente por López Obrador tem atraído protestos de
estudantes. O mundo acadêmico mexicano também é afetado pela guerra de
cartéis do tráfico de drogas.
O
índice é calculado com base em dados de diferentes fontes, como
pesquisas com especialistas, relatório, e estatísticas da Unesco. Os
dados são agregados em cinco indicadores relacionados à liberdade
acadêmica: liberdade de pesquisar e ensinar, liberdade de intercâmbio
acadêmico e disseminação, autonomia institucional, integridade do campus
e liberdade de expressão acadêmica e cultural. Cada indicador é
expresso numa nota de 0 a 1 (que pode ser convertida em porcentagem), e o
índice completo é a média dos cinco.
Como se sai o Brasil
O
Brasil está entre os 40% mais autoritários na última classificação do
ILA. O relatório não entra em detalhes sobre o país, mas afirma que seu
banco de dados tem “altos padrões acadêmicos e usa o melhor modelo
disponível para agregar avaliações de especialistas”.
Estatisticamente,
com a margem de erro, o Brasil não difere em liberdade acadêmica,
segundo o índice, de países como Cingapura, Kuwait, República
Democrática do Congo, Iraque, El Salvador e Angola. A nota brasileira no
índice é muito variável, de 32,4% em 2015, sob o governo Dilma
Rousseff, a 56,2% em 2019, já sob Jair Bolsonaro.
Como
os dados não são puramente objetivos, a variação não está livre de
refletir o viés dos especialistas que são parte da fonte do índice.
Entre os colaboradores do estudo estão “peritos do Global Public Policy
Institute (GPPi)”, por exemplo. Um texto de setembro de 202[BK1]
0, publicado pelo GPPi, com autoria do professor de direito da USP
Conrado Hübner, diz que os direitos constitucionais de liberdade de
expressão, liberdade de pensamento e liberdade de ensino e aprendizado,
além da autonomia universitária, estariam “sob ataque” no Brasil. Hübner
também faz pesquisa para o Centro de Análise da Liberdade e do
Autoritarismo (LAUT).
A
nova ferramenta de inteligência artificial Bing, da Microsoft, por
exemplo, recorre ao GPPi e ao LAUT como fontes para afirmar que o país
sofre com “interferência política e censura do governo federal e algumas
autoridades estaduais”, “assédio e intimidação de acadêmicos e
estudantes por grupos de direita e trolls na Internet, que muitas vezes
os acusam de serem ‘comunistas’ ou ‘ideólogos’”, além de corte de verbas
que “minam a autonomia institucional”. A percepção de liberdade
acadêmica, portanto, é sensível a fatores como o montante de impostos
destinados a acadêmicos e a existência de críticas online.
A
própria ideia que acadêmicos fazem da própria liberdade acadêmica, que
inclui a livre expressão, varia de cultura para cultura. Em janeiro,
Hübner disse no Twitter ao jornalista Glenn Greenwald que a noção de
liberdade de expressão deste está errada porque vem da Constituição
americana, um “monumento obsoleto”. Hübner também destacou que a
Constituição brasileira é 200 anos mais jovem que a americana, dando a
entender que isso seria uma virtude. Greenwald respondeu que não se
trata de uma noção americana, mas iluminista.
Como se saem os últimos 60 anos
O
Índice de Liberdade Acadêmica também oferece uma comparação de longo
prazo, desde 1960. Nesse período, especialmente na década de 1990, o
mundo saiu de um índice de menos de 50% de liberdade para uma nota acima
desse valor. Porém, quando as notas são ponderadas pelo tamanho da
população dos países, a subida até por volta de 2010 é seguida por um
declínio que ameaça chegar ao mesmo patamar de 1960.
Europa
e América do Norte desfrutam de altos níveis do índice, acima de 75%,
por todo o período histórico, e o Oriente Médio e o Norte da África
permanecem em torno de 25%. “Para o cidadão médio global, a liberdade
acadêmica está de volta a um nível registrado quatro décadas atrás”,
conclui o relatório.
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi

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