Principais diretrizes se darão na questão de métodos contraceptivos e condições para esterilização
A
Lei 14.443/2022 entra em vigor a partir de março deste ano e tem como
objetivo alterar a Lei do Planejamento Familiar, passando a determinar,
entre outras coisas, um prazo máximo para o fornecimento de métodos
contraceptivos (com exceção da esterilização) e disciplinar novas
condições para a realização da esterilização. Uma pessoa, por exemplo,
terá até 30 dias para solicitar, pelo SUS, a implantação de um
Dispositivo Intrauterino - DIU, e tê-lo implantado. A redação antiga não
estipulava prazo.
No
que tange à esterilização voluntária, a primeira das mudanças se dá
quanto à redução da idade mínima para o procedimento, passando de 25
para 21 anos. “Ainda não é o ideal, visto que a capacidade civil se
inicia aos 18 anos, mas já é um passo para que no futuro qualquer pessoa
com mais de 18 anos possa decidir sobre a sua reprodução”, avalia Manoela Ribeiro, advogada especializada na área de saúde do Rosenbaum Advogados.
Outra
importante mudança diz respeito à revogação do dispositivo que impunha a
necessidade de consentimento do cônjuge/companheiro para realização da
esterilização. “Esta mudança é um avanço enorme para os direitos da
mulher, visto que, finalmente, retirou a possibilidade de o
cônjuge/companheiro regular a reprodução da mulher”, diz Ribeiro.
Por
fim, a última das alterações trazida foi a permissão para que a
esterilização fosse realizada concomitantemente ao parto. Para a
especialista, “essas mudanças têm um impacto significativo na vida das
mulheres, ajudando a prevenir gravidezes não planejadas e permitindo que
elas possam tomar decisões conscientes sobre sua saúde e futuro
reprodutivo”.
Vale
dizer que o Direito ao Planejamento Familiar, que engloba o acesso aos
métodos contraceptivos, é um direito fundamental de todos os cidadãos,
garantido pelo artigo 226, §7 da Constituição Federal Brasileira e a Lei
9.263/96 visa garantir que homens e mulheres possam escolher se e
quando ter filhos, visando assegurar o acesso a todos os métodos
contraceptivos permitidos no Brasil e, em especial, regular o acesso à
vasectomia e laqueadura.
Para
a especialista, “o que verificamos com frequência é que as mulheres
enfrentam obstáculos monumentais para conseguir o acesso ao DIU e à
esterilização. Um dos principais responsáveis por essa dificuldade
exacerbada é o artigo 10° da Lei do Planejamento Familiar, que trata,
especificamente, dos requisitos para a esterilização voluntária”.
O
primeiro requisito é quanto à idade mínima de 25 anos para a realização
da esterilização. “Este requisito viola o instituto da capacidade civil
plena, previsto no Código Civil, que estabelece que a capacidade civil é
adquirida plenamente aos 18 anos. Se com 18 anos somos capazes de
dirigir, beber, eleger nossos representantes governamentais, por qual
motivo não seríamos capazes de decidir sobre a nossa reprodução ou não
reprodução?”, afirma.
O
segundo é requisito alternativo quanto à existência de dois filhos
vivos. Ou seja, uma pessoa de 20 anos e com dois filhos vivos poderia
realizar a esterilização voluntária, ao passo de que uma pessoa de 23
anos e sem filhos não poderia. “Este requisito apresenta alguns
problemas, o primeiro é que não há nenhum embasamento científico que
explique a escolha deste número como sendo o ideal de filhos para seres
humanos. O segundo, é que dilacera o princípio da isonomia que prevê a
validade e eficácia às leis sem distinções. Além disso, cria uma
segregação populacional absurda, visto que coloca diversas situações
diferentes em grau de paridade, tais como: pessoa de 23 anos e sem
filhos; pessoa de 20 anos e com um filho, e pessoa de 26 anos, com um
filho, mas sem autorização do cônjuge/companheiro”.
O
terceiro e último requisito é quanto à necessidade de consentimento do
cônjuge ou companheiro. O que não se percebe é que este requisito viola
patentemente a Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006, que em seu artigo 7º
elenca as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher,
dentre elas destacamos o inciso III:
III
- a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a
presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada,
mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a
comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo
ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou
anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos
Ou
seja, a Lei do Planejamento Familiar encontra-se em desacordo com o
resto da legislação pátria, de forma que permite a prática de um ato de
violência doméstica e familiar contra a mulher sem que haja nenhum tipo
de punição.
A
dificuldade de acesso aos métodos contraceptivos, seja pela negativa
dos profissionais de saúde, seja pela falta de disponibilização deles na
rede pública, geram um impacto significativo na vida das mulheres,
colocando-as em uma situação em que ficam sujeitas à gravidez não
planejada.
Legalização do aborto
Atualmente,
existe um debate acalorado sobre a legalização do aborto. Sobre o tema,
a especialista explica que, “uma pessoa quase não consegue pegar
preservativos de forma gratuita no SUS, pois em vários lugares estão em
falta. Também, uma mulher não consegue a implantação de um DIU pelo fato
de a fila do SUS estar muito longa. Como se espera que neste cenário
seja possível a realização de um aborto seguro?”
Segundo
Ribeiro, a questão da saúde da mulher não se limita aos grandes e
graves problemas do SUS. “Médicos e demais profissionais da saúde, que
atuam no setor privado e credenciados a planos de saúde, estão
constantemente negando acesso aos métodos contraceptivos para as
mulheres. O motivo dessas negativas é incerto (não sabe fazer, não tem
especialização ou "por questões éticas", como dizer que a paciente é
nova e pode se arrepender depois), mas com certeza, tem como fundo a
ignorância sobre os direitos reprodutivos da mulher”, alerta.
“É
preciso, em primeiro lugar, garantir o acesso da população aos métodos
contraceptivos adequados e à informação, para que as pessoas possam
conscientemente fazer uma escolha inteligente sobre que método mais se
adequa às suas necessidades. O acesso aos contraceptivos é uma parte
fundamental da saúde reprodutiva das mulheres e deve ser tratado como
tal“.
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