BLOG ORLANDO TAMBOSI
Dizem que o país está polarizado. Só se for com os nomões; com os nominhos, com os deputadinhos, a tranquilidade e o desprezo reinam. Será isso a tal da sabedoria popular? A crônica de Orlando Tosetto para a Crusoé:
Venho,
com certa tristeza, expor o modo como constatei que o brasileiro não
tem consciência política nenhuma. Eis que fui ao barbeiro anteontem.
Querendo puxar assunto, eu disse a ele:
— Sabia que estão para eleger o presidente da Câmara dos Deputados?
Ele, me passando a máquina rente, disse.
— Sabia não.
E começou a falar de futebol.
Depois,
fui ao verdureiro. Parece estranho puxar assunto com verdureiro, mas,
se ele for com a sua cara, acaba aconselhando a trocar a alface meio
murchinha por outra, tira fora da sacola um pimentão furado de bicho,
essas coisas. Ataquei:
— Estão para eleger o presidente da Câmara dos Deputados.
— Puxa vida – disse ele, pesando os papaias.
— Parece que a coisa vai ser tranquila – insisti.
Ele:
— Ah, é? Nos outros anos deu briga? Ó, dica de amigo: troca lá esse mamãozinho aqui, que tá quase passado.
De nariz caído, tentei o jornaleiro. Ele lê jornal (creio). Caramba.
— E essa eleição aí do presidente da Câmara dos Deputados, hein?
— Tô sabendo não.
E, descalçando o chinelo, me mostrou a sola do pé, onde tinha um bicho geográfico.
Baqueei.
Tinha que haver alguém com quem eu pudesse comentar assunto tão sério. O
taxista? Taxista é sempre bom para isso, mas eu não ia a lugar nenhum. O
engraxate? Mas isso nem existe mais, e eu sou um velhote prafrentex, só
uso tênis e gírias atuais. Algum cunhado? Bah, se cunhado fosse bom,
não terminava em “nhado”. O pedreiro? Ele, ao contrário de mim, tinha
serviço. Lembrei: o porteiro do meu prédio. Nunca conheci porteiro que
não fosse opiniático. Fui lá e repeti a ladainha; ele, vendo sua
televisão minúscula, nem deu bola. Me irritei:
— O senhor não liga?
Ele, bonachão:
— Ô, sêo Orlando, ninguém nem sabe nome de deputado. Eles que se lasquem lá.
E
depois ainda dizem que o país está polarizado, que a nação está
dividida, que o clima é de pé de guerra. Só se for com os nomões; com os
nominhos, com os deputadinhos, a tranquilidade e o desprezo reinam.
Será isso a tal da sabedoria popular?
Mas,
se os brasileiros inconscientes que eu queria aporrinhar tivessem me
dado atenção, teriam sabido de coisas muito importantes acerca dessa
eleição. É importante saber, por exemplo, que o segundo vice-presidente
da Câmara indeniza as despesas médicas dos deputados; que o segundo
secretário cuida dos passaportes diplomáticos; que o terceiro autoriza o
reembolso de passagens aéreas e analisa as justificativas de faltas; e
que está a cargo do quarto secretário autorizar o pagamento de
auxílio-moradia aos deputados.
Essas
coisas cruciais estão em jogo. (Essas e outras, claro, como o apoio ou o
repúdio às pautas do novo governo velho, o poder da oposição, o
“centrão” e etc.) O amigo não fica apreensivo? O amigo não rói as unhas?
O amigo não concebe a desgraça institucional que seria ter, sei lá, um
segundo secretário que mandasse os deputados pagarem do próprio bolso o
dentista dos filhos quarentões, o dermatologista da cunhada, a prestação
do apartamento da amante e as passagens de avião semanais das segundas e
sextas? O amigo não percebe o risco pra Democracia que é alguém mandar
deputado pegar visto pra Disney em vez de deixá-lo abraçar o Mickey com
um tranquilizador passaporte diplomático no bolso da bermuda? O amigo
não teme as consequências legiferantes de um deputado preocupado com o
vencimento do condomínio?
Ô, amigo. É por isso que estamos nessa draga.
* * *
Câmara
vem do grego, via latim, e quer dizer, originalmente, abóbada (e não
abóboda, por favor) ou aposento com teto curvo. Por extensão, se pode
também pensar em cúpula. Ou, usando um pouquinho, só um pouquinho, a
imaginação, em lona de circo.
Postado há 21 hours ago por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário