Muitas das frases de discursos de Ronald Reagan como presidente são vastamente conhecidas. Poucos, no entanto, mergulham nesse discurso profético daquele que um dia diria a um líder soviético para derrubar o Muro de Berlim. Ana Paula Henkel para a revista Oeste:
Para
aqueles que me acompanham há algum tempo, o assunto de minha coluna
nesta semana pode até não ser novidade. Mas não há como ser diferente,
já que, em 6 de fevereiro de 1911, nascia em Tampico, no Estado de
Illinois, aquele que se tornaria o 40º presidente dos Estados Unidos e
um dos maiores líderes que o mundo já viu: Ronald Reagan. Nome
respeitado durante sua administração na Casa Branca, consegue ser nos
dias atuais uma voz ainda mais indispensável.
Obviamente,
mesmo um grande presidente como Ronald Reagan cometeu erros. Ele mudou
de posição algumas vezes e chegou até a confundir sua base conservadora.
No entanto, no big picture, como dizem os norte-americanos, a
Presidência de Ronald Reagan foi um grande sucesso. Ele reconstruiu um
caótico Exército dos EUA e ajudou a acabar com a Guerra Fria sem
disparar um míssil sequer. Os cortes de impostos radicais em 1981
estimularam o crescimento econômico e redefiniram a relação entre os
norte-americanos e o governo, além de nomear juízes federais
conservadores, que tentaram reverter a tendência de meio século de
expansão do controle governamental e do ativismo judicial nos Estados
Unidos.
O
carisma natural de Reagan era uma de suas grandes qualidades e isso
fazia com que até os críticos pensassem duas vezes antes de emitir
opiniões raivosas sem boa fundamentação. Mas ele não era apenas um bobo
sorridente, como alguns acadêmicos alinhados com o Partido Democrata
gostam de retratá-lo. Em vez disso, seus diários particulares e
documentos revelam um homem profundamente bem informado, que lia
vorazmente e possuía um intelecto diferenciado, além de ser um escritor
talentoso e impecável. Seria impossível trazer a grande fotografia de
todo o mapa de sua vida e seu legado em apenas um artigo. Não à toa,
encontro-me mergulhada no esboço de meu primeiro livro, que deverá ser
publicado ainda neste ano, sobre a história deste ícone da liberdade e
da justiça.
Os
antigos amigos, daqui de Oeste e de minhas redes sociais, conhecem em
detalhes a história da primeira vez que ouvi o nome “Reagan”. Para os
que chegam agora, um rápido resumo: nos anos 1980, depois de se dedicar
durante décadas em salas de aula como professor de Matemática, meu pai
passou a comandar, como diretor-geral e pedagógico, uma das instituições
educadoras mais antigas e respeitadas do sul de Minas Gerais, o
Instituto Gammon, em Lavras, onde nasci e fui criada.
Certo
dia, eu devia ter uns 12 ou 13 anos, meu pai comentou em casa que ele
antevia, até por sua experiência como professor, que aquele ano seria
tumultuado, com a ameaça real de uma grande greve de professores em toda
a cidade e região. Lembro como se fosse ontem, o telefone tocando em
casa sem parar. Professores, sindicatos, pais, políticos,
administradores de escolas. Todas as conversas, de alguma forma,
convergiam para a mesa do meu pai. Apesar da aparente inevitável greve
geral, ele sempre encerrava as ligações com calma e serenidade. Mas
houve um dia, logo após mais uma enxurrada de telefonemas, que meu pai
estava inquieto. Parecia que não havia mais como contornar os ânimos e
que as repercussões de uma greve sem precedentes não poderiam ser
evitadas.
Depois
do que parecia mais uma conversa improdutiva ao telefone, ele
finalmente sentou-se à mesa de almoço onde eu estava com a minha mãe e,
mostrando clara frustação, disse para si mesmo: “O que Reagan faria?”.
Fiquei com aquele nome na cabeça. Quem era esse homem por quem o meu
pai, meu ídolo, tinha enorme admiração e que sempre mencionava em tempos
de animosidade, insegurança e incertezas? Bem, a greve foi evitada
depois de dias e dias de costuras entre as partes envolvidas; e eu
cresci ouvindo histórias sobre esse tal de Reagan, o que fez despertar
em mim uma curiosidade diferente sobre o ator que virou presidente.
Os
anos se passaram e, mesmo antes de me mudar para os Estados Unidos,
mergulhei em livros sobre a vida, as políticas e o legado do “Grande
Comunicador”. Há um vasto caminho de abordagens sobre vários temas que
fundamentam sua história. Aqui mesmo, em Oeste, tenho alguns artigos
sobre Reagan, Reagan e Thatcher, Reagan e João Paulo II. O material
sobre eles é vasto, e é difícil acreditar que muitos jovens nem sequer
conhecem o legado desse trio para a humanidade e o que fizeram contra as
forças do “império do mal” — nome propriamente dado ao comunismo pelo
presidente norte-americano.
Hoje,
no entanto, para celebrarmos o aniversário desse ícone e alimentarmos
nossas esperanças de dias melhores, convido-os a uma reflexão sobre um
discurso de Reagan de 1964, quando ele nem havia emergido para a vida
política. Na verdade, foi exatamente depois desse discurso, “A Time for
Choosing” (Tempo de Escolha), feito para a campanha presidencial do
republicano Barry Goldwater, que muitos perceberam que Reagan possuía o
caráter que define os líderes.
Não
há dúvida de que “A Time for Choosing” pertence ao topo dos discursos
históricos norte-americanos e está entre as oratórias políticas mais
significativas já proferidas por alguém que não era político nem
candidato a nada. O discurso anunciou o início da carreira longe dos
palcos de um homem que se tornaria governador por dois mandatos — no
Estado mais rico da nação, a Califórnia — e presidente de sucesso por
outros dois. O discurso, que continua sendo uma expressão
extraordinariamente poderosa e convincente de uma visão de mundo
atemporal, nos deu frases citadas até hoje por conservadores espalhados
pelo mundo, incluindo a de que “um novo programa do governo é a coisa
mais próxima da vida eterna que veremos nesta terra”, além de ser uma
declaração definitiva sobre o conservadorismo moderno. Os argumentos
centrais de Reagan no discurso abordam os efeitos deletérios dos
impostos, gastos deficitários e dívidas que definiram a agenda
republicana por duas gerações e estabeleceram raízes sólidas do
conservadorismo norte-americano. Mas ele vai muito além disso.
Como
Reagan observa em seu discurso, as falhas do governo inevitavelmente
tornam as ocasiões propícias para mais ativismo governamental. Nas
palavras do ex-presidente: “Buscamos resolver os problemas do desemprego
por meio do planejamento do governo, e, quanto mais os planos falham,
mais os planejadores planejam da mesma maneira”. Hoje, os incentivos que
não são bem geridos pelo governo, tanto no Brasil quanto nos EUA,
aumentam os custos nas áreas de saúde, educação, segurança e habitação.
No entanto, a esquerda continua argumentando que a resposta é mais
regulamentação ou uma tomada completa do governo.
Reagan
também bate na obsessão da esquerda com a desigualdade pintada até hoje
em uma realidade paralela pela turba socialista: “Há tantas pessoas que
não podem ver um homem gordo ao lado de um magro sem chegar à conclusão
de que o gordo ficou assim levando vantagem sobre o magro”. Ele também
cultiva no discurso algo que os norte-americanos possuem desde o
nascimento da nação, e que nós brasileiros precisamos urgentemente
adquirir; o desejo de um Estado mínimo e da responsabilidade de sermos
donos do nosso próprio destino: “Ou acreditamos em nossa capacidade de
autogoverno, ou abandonamos a Revolução Americana e confessamos que uma
pequena elite intelectual em uma capital distante pode planejar nossas
vidas melhor do que nós mesmos”.
“A
Time for Choosing” é um discurso profundamente ideológico, mas Reagan
não enquadra nossa escolha fundamentalmente entre o conservadorismo e o
liberalismo (como o termo usado nos EUA, a esquerda norte-americana),
mas entre o passado e o futuro, e entre declínio e progresso. Em um
momento memorável, ele afirma: “Dizem que cada vez mais temos de
escolher entre esquerda ou direita, mas gostaria de sugerir que não
existe esquerda ou direita. Há apenas para cima ou para baixo — até o
antigo sonho de um homem, o máximo em liberdade individual consistente
com a lei e a ordem. E, independentemente de sua sinceridade, de seus
motivos humanitários, aqueles que trocam nossa liberdade por segurança
embarcaram nesse caminho descendente”.
As
palavras de Reagan sobre a Guerra Fria no discurso são marcantes e
deixam claro que ele tinha exatamente as mesmas crenças estabelecidas
nos mesmos termos por décadas: “Estamos em guerra com o inimigo mais
perigoso que já enfrentou a humanidade em sua longa escalada do pântano
às estrelas (o comunismo), e foi dito que, se perdermos essa guerra, e
ao fazê-lo perderemos nosso caminho de liberdade, a história registrará
com o maior espanto que aqueles que mais tinham a perder fizeram menos
para evitar que isso acontecesse”. Ele também defende com veemência a
frase “paz através da força” (peace through strength), que, embora seja
remetida à Guerra Fria, continua relevante não apenas à abordagem à
segurança nacional americana, mas à segurança de todos nós contra os
tiranos da pandemia dos últimos dois anos. Um recado de ontem para hoje.
Muitos
defendem que “A Time for Choosing” é essencialmente um discurso
libertário, no sentido original da palavra, não no deturpado significado
dos tempos atuais. Mas, mesmo assim, Reagan entrega uma aura
conservadora a temas que ressoam além da liberdade individual e do
interesse próprio. Seu patriotismo profundo e permanente é
inconfundível. Em uma expressão comovente do excepcionalismo
norte-americano, ele declara: “Se perdermos a liberdade aqui, não há
para onde fugir. Esta é a última posição na terra. E essa ideia de que o
governo está em dívida com o povo, que não há outra fonte de poder a
não ser o povo soberano, ainda é a ideia mais nova e única em toda a
longa história da relação do homem com o homem”.
A
lição fundamental de “A Time for Choosing” não é que precisamos de
outro Reagan no sentido de alguém replicar exatamente suas políticas e
discursos, não que isso seja uma má ideia, mas que, assim como Reagan,
tenhamos uma visão de mundo que absorva a profundidade dessas palavras e
que nos faça buscar objetivos exaltados por ele de defender nossa nação
e nossa liberdade.
Muitas
das frases de discursos de Ronald Reagan como presidente são vastamente
conhecidas. Poucos, no entanto, mergulham nesse discurso profético
daquele que um dia diria a um líder soviético para derrubar o Muro de
Berlim. Não posso me despedir deste artigo sem deixar para a sua
apreciação, caro leitor, o final inspirador desse discurso que pode ser
aplicado exatamente no momento desta leitura. Não se surpreenda se
voltar para ler novamente esses trechos, eu já perdi a conta de quantas
vezes eles foram abraçados pelos meus olhos nos últimos anos.
“Aqueles
que trocam nossa liberdade pela sopa do estado do bem-estar social nos
disseram que têm uma solução utópica de paz sem vitória. Eles chamam sua
política de ‘acomodação’. E dizem que, se evitarmos qualquer confronto
direto com o inimigo, ele esquecerá seus maus caminhos e aprenderá a nos
amar. Todos os que se opõem a eles são indiciados como provocadores.
Dizem que oferecemos respostas simples para problemas complexos. Bem,
talvez haja uma resposta simples — não uma resposta fácil, mas simples:
você e eu temos que ter coragem de dizer aos nossos oficiais eleitos que
queremos que nossa política nacional seja baseada no que sabemos em
nossos corações que é moralmente correto. (…) Alexander Hamilton disse:
‘Uma nação que pode preferir a desgraça ao perigo está preparada para um
dono e merece um’. Agora vamos ser honestos. Não há discussão sobre a
escolha entre paz e guerra, mas há apenas uma maneira garantida de você
ter paz — e você pode tê-la no próximo segundo —, rendição.”
“Você
e eu sabemos e não acreditamos que a vida é tão querida e a paz tão
doce a ponto de ser comprada ao preço de correntes e escravidão. Se nada
na vida vale a pena morrer, quando isso começou — apenas diante desse
inimigo? Ou Moisés deveria ter dito aos filhos de Israel que vivessem em
escravidão sob os faraós? Deveria Cristo ter recusado a cruz? Os
patriotas da Concord Bridge deveriam ter largado suas armas e se
recusado a disparar o tiro ouvido em todo o mundo? (Início da Revolução
Americana). Os mártires da história não foram tolos, e nossos honrados
mortos que deram a vida para impedir o avanço dos nazistas não morreram
em vão. Onde, então, está o caminho para a paz? Bem, é uma resposta
simples, afinal.”
“Você
e eu temos a coragem de dizer aos nossos inimigos: ‘Há um preço que não
pagaremos’. ‘Há um ponto além do qual eles não devem avançar.’ E este —
este é o significado da frase de ‘paz através da força’. Winston
Churchill disse: ‘O destino do homem não é medido por cálculos
materiais. Quando grandes forças estão em movimento no mundo, aprendemos
que somos espíritos — não animais. Há algo acontecendo no tempo e no
espaço, e além do tempo e do espaço, que, gostemos ou não, significa
dever'”.
“Você
e eu temos um encontro com o destino. Preservaremos para nossos filhos
isso, a última melhor esperança do homem na Terra, ou os condenaremos a
dar o último passo em mil anos de escuridão.”
Na
visão de Reagan em “A Time for Choosing”, somos mais do que uma mera
coleção de números econômicos ou mesmo o que é visível para nós neste
mundo, como muitos governantes querem que enxerguemos.
É
tempo de escolha. Estamos cansados, exaustos. Fato. Mas que caminho
vamos seguir? Da rendição imediata por um pouco de paz? A liberdade
nunca foi tão frágil e nunca esteve tão perto de escapar de nossas mãos
como neste momento. Temos a capacidade, a dignidade e o direito de tomar
nossas próprias decisões e determinar nosso destino. É tempo de
escolha.
BLOG ORLANDO TAMBOSI



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