Não podemos permitir que o dinheiro
dos nossos impostos seja torrado na manutenção de um outro tipo de
orgia, os verdadeiros bacanais político-ideológicos que partidos como
PT, PSol e PCdoB promovem habitualmente em nossos campi, com a
cumplicidade de parte da comunidade acadêmica, que se vale para isso de
uma noção distorcida de “autonomia universitária”. Flávio Gordon,
colunista da Gazeta do Povo:
“As ciências totalmente ‘inúteis’, a
história, a filosofia, os estudos literários, são justamente as
favoritas dos regimes totalitários, que as abraçam até sufocá-las” (Otto
Maria Carpeaux, A Ideia de Universidade e as ideias das classes
médias)"
O anunciado projeto do governo de descentralizar (ou, em outras
palavras, reduzir) os recursos destinados a faculdades de filosofia e
ciências sociais parece-me ser uma daquelas medidas que, provavelmente
concebidas pelos motivos errados, podem acabar gerando bons frutos.
Levada adiante, com ela o presidente Jair Bolsonaro terá, talvez, mirado
no que viu e acertado no que não viu. Na mosca!
Se a minha suposição é correta, os motivos errados provêm daquele
fundo de imaginação positivista que, presente até hoje no meio militar
brasileiro, decerto inspirou a decisão do ex-capitão do Exército. A
característica central do positivismo, essa cultura intelectual de massa
surgida em meados do século 19, consiste na ideia de que as ciências
naturais (ou seja, aquelas capazes de matematizar a realidade) possuem
virtudes superiores e inerentes, razão pela qual todas as demais
ciências, notadamente as humanas, deveriam imitar-lhes a metodologia. Em
vez de discernir o método adequado para a compreensão dos objetos
específicos com os quais lidam as ciências humanas – e cuja natureza é
bem diversa da dos objetos estudados pelas ciências naturais (como há
muito demonstraram Wilhelm Dilthey e outros expoentes da escola
sociológica germânica) –, o positivista fará justamente o contrário,
afivelando o objeto à cama metodológica de Procusto, e terminando assim
por descaracterizá-lo.
Como se sabe, aquela tradição intelectual moldou a visão de mundo dos
militares brasileiros, daí a sua má tendência a tomar como critérios
exclusivos para a aferição de mérito científico a eficiência técnica
(domínio sobre a natureza) e a utilidade imediata (efeitos de curto
prazo), com a consequente valorização de disciplinas tais como
engenharia, química e física em detrimento da sociologia, da
antropologia e da filosofia, cujos efeitos são (para o bem ou pra o mal)
de muito mais longo prazo, gerando mudanças de ordem antes subjetiva
que objetiva. Foi essa tendência, aliás, uma das razões para a derrota
cultural que, entre os anos 1960 e 1980, a esquerda brasileira
(hegemônica justo naquelas áreas acadêmicas) impôs às nossas forças
armadas.
Foi por intuírem esse vício ideológico positivista de origem que
muitas pessoas (e aqui me refiro apenas a gente honesta, legitimamente
preocupada com o rumo da educação no país, e não aos sabotadores
profissionais) criticaram o anúncio da medida. Com certa razão,
portanto. O problema, decorrente daquela intuição, foi terem reagido com
uma argumentação puramente abstrata – e, por vezes, um tanto quanto
sentimentalista – sobre a importância da filosofia e da sociologia
enquanto campos do saber, argumentação em que não faltaram
lugares-comuns do tipo “um país sem filosofia é um país sem cultura” ou
“filosofia e sociologia ensinam a pensar criticamente”.
Ora, um debate teórico sobre o valor absoluto da filosofia e da
sociologia, conquanto legítimo em si mesmo, soa alienado e até cômico
quando confrontado com a situação concreta do ensino acadêmico dessas
disciplinas no país. Porque, antes de defender uma filosofia e uma
sociologia idealizadas contra uma medida que ameaça reduzir os
investimentos no seu ensino, é preciso conhecer as condições práticas em
que se dá esse ensino, e se essas condições são, elas sim, defensáveis.
E para quem, como eu, conhece de perto o estado presente das faculdades
de Ciências Sociais e Filosofia no Brasil, a resposta só pode ser uma:
não, elas não merecem defesa, porque não formam cientistas sociais e
filósofos minimamente capacitados, e, bem ao contrário, no geral se
apresentam como ambientes extremamente hostis à vida intelectual
autêntica. Como digo sempre, há sim (poucos) excelentes intelectuais
acadêmicos no Brasil, mas a sua excelência costuma se manifestar apesar,
e não por causa, da universidade.
Para avaliar o eventual impacto de uma redução de investimento
público nas humanidades, deve-se ter em mente que a Filosofia e a
Sociologia são, hoje, áreas acadêmicas inchadas. Nelas, ingressam
anualmente uma quantidade desproporcional de estudantes, os quais, na
maior parte dos casos, não terão condições de seguir uma carreira
acadêmica bem-sucedida (grande parte sequer concluirá o curso) ou de
serem absorvidos pelo mercado de trabalho. Com elas, gasta-se uma
quantidade insustentável de recursos, em larga medida destinados a
pesquisas de péssima qualidade, que resultarão em dissertações e teses
redigidas em mau português, muitas delas versando sobre temas esdrúxulos
– não raro, um mero pretexto para satisfazer, às custas de dinheiro
público, as idiossincrasias pessoais de seus autores.
Ademais, o ambiente politicamente contaminado dessas faculdades (para
não falar da transigência com o tráfico de drogas e outras práticas
delituosas dentro dos campi) faz com que muitos jovens estudantes, e em
especial os de baixa renda, tenham as suas inteligências, aptidões e
personalidades totalmente devastadas, saindo dali, além de social e
familiarmente desenraizados por uma cultura niilista de “desconstrução”,
sem maiores perspectivas que as do desemprego ou ingresso num partido
político de extrema-esquerda, cujos recrutadores profissionais estarão a
postos para assediá-los desde o primeiro dia de aula. Nada disso me foi
contado. Vi acontecer com os meus próprios olhos.
Não se pode esquecer, sobretudo, que o inchaço desse setor acadêmico
não foi um processo natural, oriundo de uma demanda espontânea da
sociedade ou do mercado. Tratou-se, ao contrário, do resultado de um
cálculo político do lulopetismo, que enxergou aí um ambiente propício
para a construção de um amplo curral de militantes partidários. Em 2007,
primeiro ano de seu segundo mandato, o então presidente (hoje
presidiário) Lula criou o Reuni, o projeto de expansão das universidades
federais que, sob o pretexto de “democratizar” o acesso ao ensino
superior, o que fez foi degradá-lo brutalmente, gerando uma massa do que
Otto Maria Carpeaux chamava de “proletários intelectuais”, num processo
caracterizado pela regressão daquela que deveria ser uma elite
intelectual e científica à condição de “massa ornada de títulos
acadêmicos”. Títulos em larga medida inúteis, pouco mais que ingressos
Vips para o baile do desemprego.
Em 2008, como parte desse mesmo processo academicamente
inflacionário, e por intensa pressão corporativa de representantes do
setor, o governo petista sancionou a Lei 11.684, que, depois de 40 anos,
voltava a tornar obrigatórias as aulas de filosofia e sociologia no
ensino médio. Parte considerável da expansão universitária no âmbito do
Reuni envolveu a criação de cursos de licenciatura para essas
disciplinas, a fim de atender a demanda (artificialmente criada, repito)
por professores para o ensino médio. Junto a isso, o número de
programas de pós-graduação em filosofia e ciências sociais também
cresceu acima do razoável, resultando num alto e custoso contingente de
recursos humanos, a maior parte dos quais, como já dissemos, incapaz de
seguir a carreira docente ou ser absorvido pelo mercado de trabalho. A
produção acadêmica nas referidas áreas aumentou brutalmente em
quantidade, mas a qualidade continua decaindo.
Essa não é uma opinião pessoal minha, mas um dado mensurável da
realidade. Como tem mostrado numa série de artigos para esta Gazeta do
Povo o bioquímico Marcelo Hermes Lima, professor da Universidade de
Brasília (UnB) e especialista em cientometria, houve, no Brasil dos
últimos anos, um aumento considerável na quantidade de artigos
científicos publicados, resultado evidente da expansão descontrolada dos
programas de pós-graduação. Todavia, esse crescimento quantitativo não
se fez acompanhar de uma melhora na qualidade da nossa produção
acadêmica, que continua tendo baixíssimo impacto global.
Por exemplo, segundo o SCImago Journal Rank, portal que avalia a
influência de publicações científicas de todo o mundo, em 2017 o Brasil
produziu 5.192 artigos acadêmicos na área de ciências sociais, um número
relativamente alto (a Rússia, por exemplo, publicou 5.890; a China,
13.247; e os EUA, 64.541). Em termos quantitativos, o país ocupa uma
razoável 13.ª posição num ranking de 44 países com mais de mil
publicações. Nada mal, né? O problema começa quando nos voltamos para a
qualidade e a relevância dessa produção, que pode ser auferida pelo
número de vezes em que os nossos trabalhos são citados pela comunidade
científica internacional. Sob esse critério, o Brasil passa a ocupar
nada menos que a última posição naquele mesmo ranking de 44 países. E a
coisa não varia muito para os anos anteriores (35.ª posição de 43 em
2016; 39.ª de 40 em 2015; 38.ª de 40 em 2014 etc.). Nada bem, né? Em
Ciências Sociais (e o quadro é o mesmo para Filosofia, Antropologia,
História, Linguística e Educação), produzimos muito – e a um custo
elevado –, mas produzimos mal. Como queríamos demonstrar.
Diante desse quadro desolador, a proposta de uma gestão mais racional
dos recursos destinados às universidades federais afigura-se não apenas
como justa, mas também necessária. Trata-se de uma questão de probidade
administrativa. Dinheiro público não dá em árvore, afinal de contas (só
para se ter uma ideia, hoje o custo médio de manutenção de um aluno de
universidade federal é de quase R$ 40 mil reais por ano). Justamente por
serem importantes em si mesmas, disciplinas como Filosofia, Sociologia e
Antropologia precisam ser resgatadas de um sistema falido que as
corrompe. Somos um país que luta para se livrar da herança maldita
(econômica, social, cultural e moral) do lulopetismo, e que, portanto,
já não pode se dar ao luxo de bancar anos de uma pesquisa sobre orgias
gays na cidade do Rio de Janeiro, cuja metodologia, por assim dizer,
consistiu na observação (muito) participante do pesquisador; ou sobre a
“erótica dos signos no aplicativos de pegação”, cujo autor, em vez de
conseguir um emprego, preferiu se dedicar à tarefa mais modesta de
“romper a divisão cartesiana entre mente e corpo”; ou ainda sobre “os
discursos de gênero e sexualidade no Big Brother Brasil 10”, que
dispensa maiores comentários…
Não podemos, sobretudo, permitir que o dinheiro dos nossos impostos
seja torrado na manutenção de um outro tipo de orgia, os verdadeiros
bacanais político-ideológicos que partidos como PT, PSol e PCdoB
promovem habitualmente em nossos campi, com a cumplicidade de parte da
comunidade acadêmica, que se vale para isso de uma noção distorcida de
“autonomia universitária”. É hora de dar um basta na farra do
aparelhamento acadêmico, e de reduzir a dimensões adequadas aquilo que,
por razões políticas, foi artificialmente inchado. O Brasil cansou,
enfim, de segurar vela para os Românticos de Cuba.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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