Nessa
semana, o país assistiu a mais um episódio que revela a fragilidade
estrutural do sistema fiscal brasileiro. No dia 20 de maio, em plena
reta final para a entrega do Imposto de Renda, os sistemas da Receita
Federal colapsaram. Ferramentas essenciais como o e-CAC, o portal de
emissão de DARFs e o sistema de geração de DAS ficaram indisponíveis por
várias horas, prejudicando o cumprimento de obrigações por parte de
milhões de brasileiros.
O
que deveria ser exceção tornou-se regra. A instabilidade técnica que se
abateu sobre a Receita não é um caso isolado, mas o sintoma de um
modelo de digitalização pública que avança sem planejamento, sem
estrutura e, sobretudo, sem responsabilidade institucional. No Brasil, o
Estado exige perfeição do contribuinte, mas entrega sistemas que não
funcionam. Cobra prazos, mas não garante os meios para cumpri-los. E
quando falha, simplesmente prorroga os vencimentos, como se isso fosse
suficiente para compensar os danos operacionais e financeiros causados.
Antes
mesmo da falha generalizada de maio, contribuintes já enfrentavam
dificuldades com o sistema. A declaração pré-preenchida do Imposto de
Renda, que deveria estar disponível desde o início do prazo de entrega,
teve sua liberação adiada por semanas, sem aviso claro e sem
justificativa técnica plausível. Muitos brasileiros, especialmente os
que contam com esse recurso para evitar erros e acelerar o processo,
foram prejudicados. Uma funcionalidade que simboliza a promessa de
simplificação acabou se tornando exemplo de desorganização.
A
Receita Federal não está sozinha nesse roteiro. Nos últimos dois anos,
diferentes fiscos estaduais e municipais protagonizaram episódios
semelhantes. Em 2023, uma pane elétrica tirou do ar o datacenter da
Sefaz do Mato Grosso, afetando a emissão de notas fiscais e exigindo a
ativação de sistemas de contingência. No Pará, a Secretaria da Fazenda
vem enfrentando instabilidades recorrentes, com dificuldades de acesso e
interrupções no Portal de Serviços, prejudicando contadores e
contribuintes que dependem dessas ferramentas para operar legalmente.
Em
âmbito municipal, o cenário também é preocupante. Em 2022, a cidade do
Rio de Janeiro sofreu um ataque cibernético que comprometeu o sistema da
Nota Carioca. Durante dias, empresários e profissionais liberais foram
orientados a emitir recibos manuais (RPS), enquanto aguardavam o
restabelecimento da plataforma. Em Petrópolis, a mudança de sistema para
emissão de nota fiscal provocou uma avalanche de falhas: erros de
cobrança, bloqueios de acesso e ausência de suporte técnico. No mesmo
ano, o programa gerador da declaração do IRPF apresentou erros que
impediram o envio da declaração até que o software fosse atualizado –
sem aviso prévio ou suporte adequado.
São
falhas técnicas, é verdade. Mas seus efeitos são profundamente humanos e
institucionais. Empresários deixam de emitir notas, atrasam faturamento
e perdem credibilidade com seus clientes. Contadores acumulam horas de
retrabalho, enfrentam a indignação dos clientes e ainda precisam se
explicar por erros que não cometeram. Em todos os casos, o ônus recai
sobre quem menos pode influenciar o funcionamento do sistema.
Mais
grave do que as falhas em si é a ausência de responsabilização. Quando o
contribuinte se atrasa no pagamento, a multa é automática. Quando o
sistema do governo impede o cumprimento de um prazo, a prorrogação é
anunciada como um favor, não como um direito. Em muitos casos, não há
sequer comunicação clara por parte dos órgãos públicos. A falta de
previsibilidade torna o ambiente de negócios ainda mais instável, e mina
a confiança no aparato estatal.
Não
se trata de atacar a digitalização em si. A modernização dos sistemas
fiscais é desejável e necessária. Mas ela precisa ser acompanhada de
investimentos reais em infraestrutura, testes de carga, segurança
cibernética e canais de suporte eficientes. O que não é admissível é que
um Estado que exige tanto do seu contribuinte não seja capaz de manter
minimamente operacionais os seus próprios sistemas.
O
contribuinte brasileiro é um dos mais fiscalizados do mundo. Também é
um dos que mais perde tempo tentando entender e cumprir obrigações
complexas, fragmentadas e em constante mutação. Seria razoável esperar,
em contrapartida, que o Estado oferecesse sistemas estáveis, acessíveis e
transparentes. Mas o que temos, na prática, é um fisco que digitalizou
sua face, mas não sua lógica. Seguimos presos a um modelo em que a
cobrança é eficiente, mas o serviço é precário. Em que a exigência é
moderna, mas a entrega é medieval.
Enquanto
isso, contadores e empresários seguem cumprindo seu papel de
intermediários entre o Estado e o contribuinte. São eles que sustentam o
funcionamento prático da máquina fiscal, mesmo quando ela falha. Fazem
isso sem reconhecimento, sem respaldo e, muitas vezes, sem condições
adequadas. São, em última instância, os que seguram o país de pé quando
os sistemas caem.
A
transformação digital do Estado brasileiro não pode ser apenas
estética. Ela precisa ser funcional, segura e comprometida com o
cidadão. Do contrário, o que se vende como progresso continuará sendo,
na realidade, mais uma forma de transferir o peso da ineficiência
pública para os ombros do setor privado.
Sobre o autor:
André Charone é
contador, professor universitário, Mestre em Negócios Internacionais
pela Must University (Flórida-EUA), possui MBA em Gestão Financeira,
Controladoria e Auditoria pela FGV (São Paulo – Brasil) e certificação
internacional pela Universidade de Harvard (Massachusetts-EUA) e Disney
Institute (Flórida-EUA).
É
sócio do escritório Belconta – Belém Contabilidade e do Portal Neo
Ensino, autor de livros e dezenas de artigos na área contábil,
empresarial e educacional.
André lançou
diversos livros, entre eles: 'A Verdade Sobre o Dinheiro: Lições de
Finanças para o Seu Dia a Dia', um guia prático e acessível para quem
deseja alcançar a estabilidade financeira sem fórmulas mágicas ou
promessas de enriquecimento fácil.
O livro está disponível em versão física pela Amazon e versão digital pelo Google Play.
Versão Física (Amazon): https://www.amazon.com.br/dp/6501162408/ref=sr_1_2?m=A2S15SF5QO6JFU
Versão Digital (Google Play): https://play.google.com/store/books/details?id=2y4mEQAAQBAJ
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