A
narrativa é permeada por elementos sobrenaturais e metafóricos, como a
aparição de uma mulher misteriosa que oferece a Satsuki a chance de se
despedir do seu amado. Essa história reforça os temas centrais do livro
como um todo e também da poética geral de Yoshimoto: a aceitação da
perda e a capacidade de seguir em frente, mesmo quando o mundo parece
desmoronar.
Para a capa desta edição de Kitchen, a Editora Estação Liberdade selecionou duas imagens da fotógrafa Tokuko Ushioda — conhecida por transformar cenas domésticas e objetos cotidianos em composições delicadas e repletas de significado —,
retiradas da série ICE BOX, com o propósito de associar o trabalho
dessas duas grandes protagonistas das artes no Japão. Ambas exploram,
mesmo que de maneira distintas, a intimidade, a sensação de
transitoriedade e a busca por conforto e conexão. Ushioda traz ainda mais sensibilidade e profundidade para o romance de Yoshimoto.
SOBRE A AUTORA
Banana Yoshimoto,
pseudônimo de Mahoko Yoshimoto, nasceu em Tóquio, em 24 de julho de
1964, filha do poeta e militante de esquerda Takaaki Yoshimoto
(1924-2012). Formada em literatura pela Universidade Nihon, foi muito
bem recebida pela crítica por esta que é sua obra de estreia, Kitchen, publicada em 1988, quando ainda era estudante universitária. Kitchen
lhe rendeu o prêmio literário Izumi Kyoka. Tendo começado a escrever de
forma bastante precoce, aos cinco anos de idade, ela adotou o
pseudônimo “Banana” pelo apreço que tem por flores de bananeira. Seus
livros já foram traduzidos para mais de vinte idiomas. O tema da morte e
a preferência por protagonistas mulheres são algumas das marcas mais
evidentes na escrita da autora, cujos personagens nunca caem nos
lugares-comuns: ao contrário, são sempre excêntricos. Dela, a Editora
Estação Liberdade publicou também Tsugumi (trad. Lica Hashimoto) e Doce amanhã (trad. Jefferson José Teixeira).
TRECHOS
“O lugar de que eu mais gosto neste mundo é a cozinha.
Não
importa onde, de que tipo seja, contanto que seja uma cozinha, um lugar
em que se faz comida, eu me sinto bem. Se forem eficientes e práticas,
melhor ainda. Com muitos panos de prato secos e limpos. Azulejos
brancos, novos e brilhantes.
Gosto até das cozinhas incrivelmente sujas. [p. 15]
“Quando
abri a pequena geladeira — cujo interior Yuichi me deixou à vontade
para olhar —, ela estava limpa, organizada e não tinha nada que parecia
estar esquecido havia muito tempo.
Olhei
em volta murmurando “hum, hum…” enquanto balançava a cabeça em
aprovação. Era uma ótima cozinha. Foi amor à primeira vista.” [p. 22]
“A
janela da cozinha. O sorriso dos amigos, o verde-brilhante dos jardins
da universidade refletido no semblante de Sotaro, a voz da minha avó
quando eu ligava tarde da noite, o futon das manhãs frias, o som dos
chinelos dela ecoando pelos corredores, a cor da cortina… o tatame… o
relógio de parede.
Todas essas coisas. Todas essas coisas que agora deixavam de existir.” [p. 46]
“Onde
quer que fosse, Hitoshi levava um pequeno guizo pendurado em seu
porta-cartão. Confesso que não tive segundas intenções quando lhe dei o
guizo, pois naquela ocasião ainda não estava apaixonada por ele, mas o
destino daquele presente foi o de acompanhá-lo até o fim.” [p. 129]
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