A
morte é, sem dúvida, um dos principais tabus sociais. Religião,
propriedade, escolhas individuais e até o mercado funerário atravessam o
assunto que passa pelo universo particular de cada pessoa e afeta a
sociedade como um todo. Esse é o ponto de partida de “Entre a vida e a morte, há vários documentos” (192 pág.), primeiro romance do mineiro Michael Maia (@maicud), lançado pelo selo de publicação Paraquedas.
O
romance retrata a história de um país que legaliza e controla uma nova
descoberta: “a droga da morte”. O seu problema ou encanto é que ela
permite que todos tenham uma experiência fascinante instantes antes de
morrer: rever amigos e parentes falecidos e, até, quem sabe, Deus.
Depois dessa descoberta e de um “Grande Surto” em que uma horda de
pessoas decide tirar a própria vida através do uso da droga, o governo
regulamenta o uso do narcótico (ou da ciência, dependendo do ponto de
vista). Diante dos impactos disso na sociedade, o livro aborda como essa
nova realidade afeta as relações humanas e reflete as desigualdades
sociais. Como o governo escolhia quem tinha acesso à droga? Quem eles
estavam tentando matar mais rápido? Por que um prédio de atendimento
nunca era visto em bairros mais nobres?
“Entre a vida e a morte, há vários documentos”
acompanha a vida do casal Luzia e Tânia que, após serem diagnosticadas
com um câncer terminal, decidem interromper o tratamento e se
candidatarem ao uso da droga. Observamos então o impacto dessa decisão
em seus pais e, principalmente, em Antônio, o irmão mais velho de Luzia
que trabalha justamente na empresa estatal que recebe e regula as
aplicações de quem opta por morrer com o narcótico. A partir desse
núcleo, o leitor é levado a questionar como as relações familiares e
sociais são moldadas pela iminência da morte e pelas decisões
individuais.
Uma história que nasceu do luto e da reflexão
Michael
Maia revela que a ideia do livro surgiu em uma viagem, quando imaginou a
história de duas pessoas tendo experiências individuais antes de
morrer. “Eu sempre tive medo de morrer e confesso que isso até me deu mais curiosidade em criar esta história”, reflete
o autor. Ele também explica que o processo de escrita foi intensificado
pelo luto pessoal que vivenciou com a perda de uma grande amiga em um
acidente de carro. “Durante o processo de luto pela minha amiga eu
fiquei um pouco perdido, abandonei a escrita e fui vivendo a vida no
automático. Acho que é um sentimento mútuo entre várias pessoas que
passam pelo luto”, conta. Essa experiência pessoal foi essencial
para a profundidade emocional do livro, que não apenas explora as
escolhas diante da morte, mas também o impacto do luto nas pessoas que
ficam.
Processo criativo e influências literárias
Para
criar o romance, o autor elaborou fichas detalhadas dos personagens
principais e desenvolveu um roteiro para estruturar a narrativa. Ele se
aprofundou em temas como sociologia e morte, buscando construir uma
narrativa verossímil. O processo de escrita foi realizado entre janeiro e
maio de 2023, após um período de intensa pesquisa. Michael menciona que
“O suicídio” de Émile Durkheim
, e “As Intermitências da Morte”, de José Saramago, foram influências
marcantes. “O Saramago desenvolvia uma escrita incrível com apenas um ‘e
se?’, e isso me inspirou muito”, explica Michael. O livro também
reflete as inquietações do autor sobre a fragilidade da vida e o impacto
das escolhas individuais em uma sociedade maior.
Mais que uma distopia: uma obra sobre vida, morte e humanidade
“Entre a vida e a morte, há vários documentos”
é mais do que um livro sobre distopia ou um cenário alternativo. É uma
obra que questiona as escolhas que fazemos sobre a vida e como lidamos
com o fim dela. Para Michael Maia, a escrita do livro foi também um
processo de cura pessoal. “Durante o processo de escrita, passando pelo
processo de luto, percebi que certos momentos eu virava o Antônio,
personagem do livro. Terminei fazendo do projeto como um processo de
cura”, conclui o autor.
Os próximos passos de
Michael na literatura indicam um caminho de exploração criativa. O autor
planeja trabalhar em um livro de terror-comédia com personagens LGBTs,
buscando brincar com temas da comunidade e trazer um toque nostálgico ao
relembrar vivências e músicas dos anos 2010-2015. Por enquanto, a ideia
está em fase inicial, com pesquisas e experimentações.
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