Outros sinais de atrocidades incluem indícios de que prisioneiros foram enterrados vivos ou abusados com acessório sexual. Vilma Gryzinski:
Esse
tipo de comparação tem que ser feito com todo cuidado e todo o respeito
pelo conhecido risco de paralelos indevidos. Mas é impossível não
pensar nas pilhas de dentes de ouro arrancados de presos judeus antes de
serem mortos nos campos de extermínio nazistas, descobertas depois que a
Alemanha perdeu a II Guerra Mundial.
A
escala, evidentemente, é incomparável. A caixa de plástico com dentes
de metal arrancados foi encontrada num lugar que até muitos ucranianos
teriam dificuldade para apontar num mapa: Piski-Radviski, uma pequena
localidade na região de Kharkiv.
É
uma das áreas de onde os russos estão fugindo e os ucranianos estão
avançando, numa virada quase inacreditável. Depois das tropas, chegam os
investigadores: a Ucrânia faz levantamentos sistemáticos das
atrocidades praticadas durante a ocupação russa para que tudo fique
documentado.
As
fotos com a caixa de dentes e outros sinais de tortura foram postados
pelo responsável por estas investigações na região, Serhii Bolvinov.
Também foram encontrados na casa transformada em centro de tortura uma
máscara contra gás usada com um pedaço de pano para sufocar os
interrogados, além de um pênis artificial. Relatos de violações anais
foram feitos em outros locais investigados.
“Os
moradores ouviam constantemente gritos vindos de lá”, disse Bolvinov.
“A polícia tem conhecimento da prática de enterrar pessoas vivas”.
Os
presos nas localidades liberadas geralmente eram moradores de mais
idade, pois os homens aptos ao serviço militar já tinham sido convocados
ou fugido por conta própria antes que os russos chegassem. Os
interrogadores queriam justamente saber onde estavam estes homens.
Foi um caso assim que levou Natalia Kubrak a ser presa na pequena localidade de Kozacha Lopan.
O
vídeo de seu filho, Vitali Zadorenko, encontrando a mãe na cidadezinha
liberada viralizou na Ucrânia por causa da euforia comovente de Natalia.
Além dos abraços e beijos que ela dá no filho, fora dois caldeirões
enormes de borcht, a sopa de beterraba que é o maior exemplo de comida
de mãe em vários países eslavos, que ela preparou depois de ouvir boatos
que os russos estavam fugindo.
Zadorenko
era uma espécie de prefeito local. Fugiu com o avanço russo no começo
da invasão e organizou com amigos uma pequena força de resistência –
sinal do espírito de iniciativa que baixa quando os mais elementares
interesses existenciais estão em jogo.
Natalia
foi levada um dia para o porão onde ocupantes russos interrogavam
moradores. Descreveu: “Tinha quinze pessoas deitadas no chão, cobertas
de sangue. Também havia mortos. Tinham cortado a orelha de uma mulher”.
Ela
sofreu choques elétricos e espancamentos por não saber responder onde
estava o filho. Depois foi jogada na rua. Sem conseguir andar,
arrastou-se de quatro para sair do local.
Em
Izium, liberada logo no início da atual ofensiva, as investigações
estão mais avançadas. Já foram exumados 403 corpos – 202 mulheres, 189
homens e onze tão mutilados por torturas que não puderam ser
identificados de imediato.
Investigar
e documentar as atrocidades é importante mesmo que nenhum culpado por
crime de guerra venha a ser julgado. A Ucrânia também pediu ajuda a
organismos internacionais, mesmo sabendo que a Rússia tem direito de
veto na ONU e, portanto, imunidade a processos internacionais.
Uma
dessas investigações sequer menciona quem seriam os autores dos crimes
apurados. Mas relata que vítimas de abusos sexuais tinham idades que iam
dos quatro aos 82 anos.
O
encarregados das investigações, Erik Mose, relatou à Comissão de
Direitos Humanos da ONU, os “sinais visíveis de execuções, como mãos
amarradas nas costas, ferimentos a bala na cabeça e degolações”.
A
caixa com dentes de ouro arrancados é um pequeno, embora dolorosamente
simbólico, tijolo desse edifício de atrocidades. É revoltante pensar que
seus autores jamais serão punidos. Mas também era inconcebível, no
começo da invasão, que os ucranianos não só resistissem como pusessem os
russos para correr, como está acontecendo agora em algumas frentes de
combate.
A
virada é de tal dimensão que especialistas em estudos bélicos começaram
a falar numa eventual – e nada menos que espetacular – retomada da
Crimeia, a península anexada pela Rússia em 2014.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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