A ascensão e queda dos tucanos é um retrato em miniatura da tragédia política nacional. O PSDB se putrefaz quando a República mais precisa de uma social-democracia responsável. Editorial do Estadão:
Parte
considerável do eleitorado irá às urnas constrangida a escolher o mal
menor entre o que há de mais retrógrado na direita e na esquerda. A
guerra entre os populismos lulopetista e bolsonarista estava contratada
desde 2018. Nunca como nesses quatro anos e nos próximos quatro foi tão
importante mobilizar uma coalizão centrista, agregando o melhor à
esquerda e à direita em nome da defesa da democracia; da
descentralização política e administrativa; do Estado a serviço do povo e
não de privilegiados; e do crescimento sustentável com distribuição de
renda e educação de qualidade. Com essas premissas, nascia com a
Constituição, em 88, um partido, o PSDB, voltado a concretizar seu
ideário, invocando uma luta por “mudanças com energia redobrada, através
da via democrática e não do populismo personalista”. Sua ascensão e
queda é um retrato da tragédia política contemporânea.
O
Partido da Social Democracia Brasileira nasceu de dissidências
progressistas do PMDB insatisfeitas com o reacionarismo, o fisiologismo e
a corrupção. Renegando o sectarismo classista de partidos trabalhistas
como o PT ou PDT e a amorfia ideológica das oligarquias do Centrão, os
tucanos abrigaram sob a social-democracia influxos ideológicos como o
liberalismo econômico e a democracia cristã. Assimilando dos
trabalhistas a primazia do trabalho sobre o capital, e dos personalistas
católicos a ética e a participação comunitária, ele conquistou massas
de eleitores, de progressistas a liberais e conservadores.
Em
oposição responsável ao governo Collor, apoiou a modernização
econômica, mas se engajou em seu impeachment. No governo Itamar Franco,
engendrou o fim de 20 anos de crise inflacionária. A gestão FHC promoveu
privatizações, programas sociais e marcos de governança pioneiros,
elevando o País na vitrine global.
Mas
já nos anos de ouro do partido estavam entranhados os vermes que hoje o
devoram. Quadros inteiros repudiaram o Plano Real e apoiaram a
candidatura de Lula em 1994. Candidatos pós-FHC trataram seu legado como
a vergonha da família. Quem dera sua mácula maior fosse estar sempre
“em cima do muro”. O partido que nasceu para destruir os muros que
separam esquerda e direita, ricos e pobres, frequentemente se pôs do
lado errado. Quando no certo, foi errático: na oposição ao PT, foi
complacente com seus desmandos, e no governo Temer, recalcitrante com
suas reformas. Caciques regionais traíram e foram traídos, preferindo
ceder o poder a adversários a dividi-lo com correligionários.
Na
“oposição” ao governo Bolsonaro, a crise de identidade virou
esquizofrenia: seus parlamentares se alinharam a 8 em 10 pautas do
governo, inclusive as que violentaram a ordem constitucional, fiscal e
judicial. Muitos se refestelaram com migalhas do mercadão de emendas. O
partido que se prestava a ser espantalho do PT agora se reduziu a
fantoche de Bolsonaro.
As
bandeiras se esgarçaram, e os laços com a população também. Nas
eleições de domingo passado, virou nanico. São Paulo é paradigmático.
Após 28 anos de governo do PSDB, esse bastião da responsabilidade fiscal
e social está à mercê do saque bolsolulista. Dos ex-governadores
tucanos – todos digladiaram entre si –, Geraldo Alckmin compõe a chapa
petista, José Serra não se elegeu à Câmara, João Doria abandonou a vida
pública. O atual, o tucano neófito Rodrigo Garcia, não passou para o
segundo turno. Se o PSDB seguir sua rota suicida, o vergonhoso apoio
“incondicional” de Garcia a Bolsonaro, que passou quatro anos a
demonizar o governo paulista, passará à história como um epitáfio
infame.
Convém
lembrar que o PSDB foi formado por quadros do MDB que consideravam que o
partido havia se tornado uma máquina eleitoreira amoral e carcomida a
serviço de enclaves paroquiais. Foi exatamente no que se tornou o PSDB –
que, entre a derrota e a desonra, escolheu a desonra, e ainda foi
estrepitosamente derrotado. Mas em política não há determinismos. A
Nação precisa de uma social-democracia responsável e se arranjará com ou
sem o PSDB. Cabe ao que restou do partido decidir: ou se regenera
bebendo de suas fontes ou vagará como um morto-vivo, mais um dos vermes
políticos que degeneram a sociedade e a democracia.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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