O objetivo oculto da lei das fake news é amedrontar, censurar a
liberdade de expressão e de opinião e criar uma couraça protetora para
os representantes do mundo político. Artigo do professor Carlos Alberto
Di Franco para o Estadão:
Em palestra de encerramento do Seminário Internacional de Liberdade
de Expressão, em São Paulo, há exatos oito anos, o então presidente do
Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto, fez uma
vibrante defesa da liberdade de imprensa e de expressão. Eu fui,
juntamente com o jurista Ives Gandra Martins, um dos promotores do
evento.
Eram tempos de governos petistas. Surgiam aqui, ali e acolá ameaças
às liberdades. O seminário teve papel importante na reafirmação da
defesa de valores inegociáveis: liberdade de imprensa e de expressão.
Ayres Britto foi contundente. Seu discurso não deixou margem para
interpretações ambíguas: “Onde for possível a censura prévia se
esgueirar, se manifestar, mesmo que procedente do Poder Judiciário, não
há plenitude de liberdade de imprensa”. Para o então presidente do STF, o
confronto de interesses entre o livre exercício do jornalismo e o
direito à privacidade, por exemplo, “inevitavelmente” se dará. Brito
garantiu, porém, que nossa Carta Magna estabelece a prioridade à livre
expressão ante o direito à privacidade: “A liberdade de imprensa ocupa,
na Constituição, este pedestal de irmã siamesa da democracia”.
Eu jamais podia imaginar que passados poucos anos as ameaças às
liberdades viriam não dos petistas, mas de importantes instituições da
República: o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal.
O projeto dessa Lei da Liberdade, Responsabilidade e Transparência na
Internet (ou lei das fake news), que acaba de ser aprovado pelo Senado
por 44 votos favoráveis e 32 contrários, e segue para apreciação da
Câmara dos Deputados, é um exemplo da corrosão programada da liberdade
de expressão.
O Congresso, aparentemente, pretende proteger a sociedade do mau uso
da internet. Muita desinformação e falsidade explícita corre solta no
mundo digital. É um fato. Mas o remédio para combater os crimes e abusos
já existem: estão previstos há 80 anos no Código Penal Brasileiro, com
penas de multa, detenção ou reclusão. São a calúnia, a difamação e a
injúria. Existe, além disso, um leque de punições cíveis para quem
causar danos por dizer mentiras, fazer insultos ou espalhar falsidades.
Como salientou recentemente J. R. Guzzo, “por que, então, criminalizar o
que está nas redes sociais, quando tudo o que se pode fazer de mal pela
palavra já é crime?”.
O objetivo oculto da lei das fake news é amedrontar, censurar a
liberdade de expressão e de opinião e criar uma couraça protetora para
os representantes do mundo político.
É o mesmo, rigorosamente, que o STF busca com o seu inquérito para
apurar “atos contra a democracia”. Na contramão da Constituição,
assumindo o papel de polícia, promotor e juiz da própria causa, a Corte
Suprema vai minando as garantias básicas do cidadão – da liberdade de
expressão ao direito de defesa.
O Supremo Tribunal não tem histórico de combate à criminalidade do
andar de cima. Alguém se lembra de algum delinquente da chamada “elite”
política que tenha sido condenado pelos ilustres ministros do STF?
Ninguém. No entanto, armados de uma celeridade incomum investem contra
os “perigosíssimos criminosos” da internet. Gente presa por determinação
de um ministro da Corte Suprema, e sem culpa formada, escancara uma
face perigosa do autoritarismo judicial.
Soma-se a tudo isso o desmanche da Operação Lava Jato. Na verdade, a
guerra declarada da Procuradoria-Geral da República contra a
força-tarefa de Curitiba está apenas começando. Vem aí o desmonte de uma
operação anticorrupção que ganhou fama mundo afora, mobilizou o Brasil
e, com a prisão de um ex-presidente, de ex-governadores, de um
ex-presidente da Câmara e dos maiores empresários do País, acendeu a
esperança de que a lei valeria para todos. O sonho do fim da impunidade
começa a ruir.
É claro que eventuais excessos da Lava Jato devem ser corrigidos. É
evidente que as redes sociais não podem ser um território sem valores.
Mas nada disso será alcançado por meio de interesses corporativos que,
no fundo, pretendem apenas consolidar privilégios que confrontam a
cidadania.
Não defendo, por óbvio, a irresponsabilidade nas redes sociais.
Afinal, tenho martelado, teimosa e reiteradamente, que a
responsabilidade é a outra face da liberdade. Não sou contra os
legítimos instrumentos que coíbam os abusos da internet. Mas eles já
existem e estão previstos na legislação vigente, sem necessidade de
novas intervenções do Estado.
O que fazer quando a política se transforma em plataforma de
banditismo? O que fazer quando políticos se lixam para a opinião
pública? Só há um caminho: informação livre, independente e plural. E
sem nenhuma forma de controle ilegítimo, tanto na imprensa tradicional
quanto nas redes sociais. Não se constrói um país com mentira, casuísmo e
esperteza. Não se levanta uma democracia com a mesma ferramenta
autoritária usada pela ditadura: a censura.
Controles e regulação são apenas eufemismos que ocultam o que, de
fato, se pretende: uma Nação ajoelhada diante de comportamentos
autoritários. Você, amigo leitor, pode e deve se manifestar. Com
respeito, mas com firmeza. O Brasil não quer isso.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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