Por José Pio Martins* Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saúde é “o estado de completo bem estar físico, mental e social, e não a simples ausência de doença ou enfermidade” e nossa Constituição Federal dispõe, no artigo 196, que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Essas definições de saúde são, na verdade, objetivos amplos a serem perseguidos, enquanto a manutenção e recuperação (ou não) da saúde pessoal é uma consequência da assistência à qual todos têm direito. Para os economistas existe uma “economia da saúde”, um mercado composto dos bens materiais (hospitais, unidades de saúde, máquinas, equipamentos, aparelhos, medicamentos etc.) e dos serviços prestados por médicos e os demais profissionais da área da saúde. Um dos principais desafios enfrentados pelo SUS, cuja lei completa 30 anos em setembro próximo, é o de ser único e universal. Um sistema público nacional e único de saúde é chamado de universalismo, isto é, um serviço público pago pelo orçamento fiscal, à disposição de toda a população. Embora sujeito aos males inerentes às estruturais governamentais, como ineficiência e corrupção, um sistema público é conceitualmente meritório, humanitário e defendido por muitos, inclusive vários economistas liberais, sob certos argumentos. O primeiro argumento é o do interesse público, defensável sempre que seja necessária uma superestrutura pública capaz de prover segurança e proteção contra ameaças e fontes de sofrimento que superam a capacidade individual de solução, como agressões externas, catástrofes naturais, pandemias, colapsos de abastecimento etc. Nesses casos, a sociedade consente em abrir mão de uma parcela de sua liberdade para submeter-se a um poder instituído destinado a atender às necessidades decorrentes do flagelo coletivo. O segundo argumento é a repercussão coletiva. Neste caso específico, é a existência dos elementos que tornam o capital humano eficiente, produtivo e capaz de aumentar o produto/hora de trabalho ao ponto de construir uma nação economicamente rica, socialmente desenvolvida, sem pobreza e sem miséria. Os dois principais elementos já identificados pelos estudos econômicos nos últimos 300 anos, com expressiva repercussão coletiva, são a educação e o padrão de saúde da população. Então, temos aqui considerações econômicas a favor da implantação de um sistema nacional de saúde capaz de manter bom padrão de saúde para todos, além das considerações humanitárias e as vinculadas à solidariedade humana. Quando o interesse econômico casa com o amor ao próximo, temos o casamento perfeito. Ou seja, um sistema de saúde pública de qualidade tem a capacidade de atender ao interesse econômico e, simultaneamente, cumprir o imperativo de solidariedade social e amor ao próximo. O terceiro argumento a favor de um sistema universal de saúde vem das falhas de mercado. Em todo mercado há pelo menos quatro atores: o produtor, o consumidor, o produto e o preço. Nas economias livres, é no embate de interesses antagônicos entre comprador e vendedor (quando há muitos produtores e muitos consumidores, de forma a não haver dependência um do outro), que aparecem as vantagens da livre concorrência e as transações satisfazem os dois lados. Sem esses atributos, o mercado apresenta falhas que prejudicam a competição e a soberania do consumidor, resultando em transações menos eficientes e distorções na formação de preços. Nesses casos, justificam-se intervenções governamentais e alguma regulação. O setor da saúde é um mercado que apresenta certas falhas, no sentido econômico da palavra, algumas das quais estão a seguir.
O Brasil está longe de ter somente o SUS como sistema único e universal e poder dispensar outras soluções de mercado, como os planos individuais ou empresariais. Mas algo tem que mudar. O coronavírus teve a virtude de mostrar as virtudes e os vícios do sistema. * José Pio Martins é economista e reitor da Universidade Positivo.
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sexta-feira, 31 de julho de 2020
Saúde: um mercado imperfeito
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