É o mesmo que leva o povo americano a seguir leis que ele mesmo faz e ser o mais rico do mundo. Fernão Lara Mesquita para o Estadão:
Existe alternativa para o “presidencialismo de coalizão”? É possível um “ideológico”, que não caia no toma lá, dá cá?
Não há resultado colhido que amacie a elite autoritária que insiste
em “ensinar”, em vez de humilde e democraticamente aprender com “esse
povinho que deus pôs aqui”, e a tudo responde com mais Estado,
fiscalização e polícia. De instituições que educam não se fala jamais.
Por que não partidos verdadeiros, em vez destes de comprar e vender? E
financiamento de campanhas como o povo quiser, e não esses, de
meretrício? E representação? Quem representa quem naquele disco voador
sobre o Planalto Central que caga “políticas públicas” nas costas do
Brasil?
Esta semana saiu balanço de meio de ano dos processos de recall e das
questões para voto (ballot mesures) que cumpriram os requisitos para
subir às cédulas da eleição de novembro nas cem maiores cidades dos EUA.
Desde 1.º de janeiro o povo pôs em marcha 97 processos de recall
visando 120 funcionários, de prefeitos para baixo. Quanto às questões
para voto, 109 de alcance estadual já cumpriram os requisitos para
qualificação.
Cada Estado, cada cidade define quais funcionários quer nomeados ou
eleitos. A orientação geral é que todos com funções de fiscalização do
governo, como promotores públicos ou fiscais de contas, ou contato com o
público em funções sensíveis, como as de xerife ou policial, são
diretamente eleitos e estão permanentemente sujeitos a recall. Qualquer
cidadão pode iniciar um processo e se colher as assinaturas de uma
porcentagem dos eleitores daquele cargo naquele distrito eleitoral (em
geral entre 10% e 15%), convoca-se nova votação para a destituição e
eleição do substituto.
Qualquer cidadão pode, também, propor uma lei ou desafiar uma do
Legislativo local para referendo colhendo assinaturas. Tudo conferido
pelo secretário de Estado, ela sobe à cédula da eleição mais próxima e
quem tem ou não direito de votar cada questão é somente quem mora dentro
do distrito eleitoral afetado, o que pode ser positivamente aferido no
sistema de voto distrital puro, que amarra cada representante eleito aos
seus representados pelo endereço.
Entre as 109 “questões para voto” já qualificadas há 65 legislatively
referred, isto é, propostas dos Legislativos locais afetando questões
como impostos ou outras que em votações anteriores os eleitores
definiram como de referendo obrigatório, 26 leis de iniciativa popular, 5
referendos convocados pelo povo e 7 bond issues.
Os bond issues são pedidos de autorização a eleitorados de distritos
específicos para emissão de dívida para melhoramentos em escolas
públicas (a serem pagos só pelo bairro servido por ela com um aumento
temporário do IPTU), municipalidades (a compra de um carro de bombeiros
ou o aumento dos salários de determinada categoria de funcionários, por
exemplo), construção de estradas e pontes (a serem pagas com pedágios),
etc. Tudo precisamente definido - custo do bem, valor do empréstimo,
juros, prazo de pagamento - para um “Sim” ou um “Não” apenas dos
eleitores beneficiados pela obra.
Na longa lista das ballot measures desta compilação há temas como:
poderes de nomeação de funcionários pelos juízes estaduais; reformulação
geral da linguagem da Constituição (Alabama), seguida de ratificação
pelo eleitorado; regras de financiamento de campanha; normas de taxação
do petróleo; autorização para oculistas fazerem pequenas cirurgias;
aprovação de verba de US$ 5,5 bi (Califórnia) para pesquisa de
células-tronco; regras de imposto industrial; anulação de lei de
iniciativa popular anterior proibindo “ações afirmativas” em que o
Estado discrimina por raça, sexo, cor, etnicidade ou origem nacional
quem ele vai ou não beneficiar; compra de áreas para reserva ambiental;
legislação de caça e pesca; reformulação do sistema de redução de penas
dando poderes aos parentes das vítimas de opinar nesses julgamentos;
regulação da função de motorista de aplicativo; alteração das normas
para provedores de tratamento de diálise; reintrodução de lobos
cinzentos em áreas selvagens; aumento do salário mínimo por hora;
regulamentação do uso de maconha medicinal ou recreacional; mudança da
bandeira estadual (Mississippi); mudança das regras de eleição de
governadores...
A lista é infindável. Mas cada caso processado por esse sistema é
mais um que sai do circuito das possibilidades de superfaturamento ou
compra e venda de resultados, o que explica suficientemente por que o
povo americano, que pratica esse sistema há pouco mais de cem anos,
segue as leis que ele mesmo faz e se tornou o mais rico do mundo.
Por que, então, nossas imprensa e elite não estudam e divulgam esse
método autoaperfeiçoável tão óbvio de provimento de soluções? Pela mesma
razão por que não tocam nas lagostas e vinhos tetracampeões da
privilegiatura, nem mesmo quando mais da metade do País está reduzida a
viver da esmola de um Estado falido, cuja arrecadação a pandemia fez
cair 30% só no mês passado. Uns porque estão deslumbrados pela luz do
próprio umbigo, outros porque a doença deste país é sistêmica e quase
nada está ou quer estar livre de contaminação.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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