Gustavo Schmitt e Sérgio Roxo
O Globo
Atacar as instituições e adversários políticos do presidente Jair Bolsonaro e defender o seu governo tornou-se uma receita capaz de alavancar a audiência de produtores de conteúdo no YouTube, os youtubers. Impulsionados pelos influenciadores governistas, canais que adotam essa pauta, mesmo com menos de um ano no ar, chegam a receber até R$ 100 mil mensais da plataforma, segundo estimativa da consultoria Quaest — os maiores podem alcançar R$ 150 mil.
O YouTube remunera os canais hospedados de acordo com o volume de acessos a cada página. Segundo relatos feitos ao Globo por seis dissidentes do grupo, o apoio aos novatos é uma ferramenta usada para construir uma rede fiel ao governo.
INDICAÇÃO DE TEMAS – O mecanismo começa pela distribuição quase diária de orientações sobre assuntos que devem ser explorados. Essa diretriz chega por meio de grupos de WhatsApp ou pode ser observada no Twitter.
— Eu presenciei uma organização entre youtubers bolsonaristas para que falassem nos vídeos sobre os assuntos em alta naquela bolha. Havia um grupo no WhatsApp com vários influenciadores. Bastava uma postagem em apoio ao governo para ser compartilhado por muitas contas e ver o número de seguidores aumentar — diz o estudante de Comunicação Felipe Ferreira, de 21 anos, que tem 560 mil inscritos em seu canal, criado em abril de 2019.
Com três milhões de inscritos em seu canal, o músico Nando Moura, também um dissidente do bolsonarismo, chegou a denunciar no Twitter que havia recebido orientações de como se portar na rede social.
CONTRA A LAVA JATO – Moura expôs uma mensagem que havia recebido por WhatAapp de uma pessoa de nome Tomaz, que, segundo ele, é responsável pelo perfil Isentões e “faz a cabeça de 90% dos canais conservadores”. Na mensagem de agosto de 2019, Tomaz diz que é importante que “travem a Lava-Jato” e pede que alguns ministros do Supremo sejam poupados de ataques.
Ainda no relato de youtubers dissidentes, quem segue esse tipo de orientação acaba sendo recomendado pelos perfis maiores. Com isso, aumenta as visualizações dos vídeos e o faturamento. O YouTube paga entre US$ 0,25 e US$ 4,50 para cada mil visualizações. Os anúncios são distribuídos pela plataforma de modo automatizado, de acordo com algoritmos, na chamada mídia programática.
— Quando influenciadores são recomendados como fontes de informação por políticos da direita, mais pessoas são engajadas e isso vira dinheiro — afirma Ferreira.
MASSIFICAÇÃO – “A narrativa defendida pelos bolsonaristas mais proeminentes na política vira pauta dos maiores canais de YouTube. Todos abordam de forma uníssona o tema para ficarem bem aos olhos da família Bolsonaro e dos políticos ao seu redor e se manterem em relevância. Os canais menores replicam as mesmas narrativas para entrarem neste “clube” — afirma Marcelo Brigadeiro, outro dissidente e com 378 mil inscritos em seu canal.
O engenheiro baiano Kim Paim, que mora na Austrália, começou a fazer vídeos em setembro do ano passado. Desde maio, Paim é compartilhado pelo deputado Eduardo Bolsonaro e pelo vereador Carlos Bolsonaro, filhos do presidente. De acordo com dados da Quaest, em março ele tinha 27 mil seguidores, e até sexta-feira já estava com 322 mil. A consultoria estima que ele fature R$ 103 mil mensais. Há cinco anos na Austrália, o engenheiro já fez entrega de comida de moto e foi faxineiro, emprego que diz ainda manter. Nos vídeos, Paim já propagou a teoria falsa de que o coronavírus foi criado em laboratório por chineses. Procurado por e-mail, ele não respondeu.
NOTÍCIAS FALSAS – Entre os neófitos cujo ganho chama a atenção no YouTube estão Bárbara Destefani, citada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, como parte de um mecanismo de criação e divulgação de notícias falsas, e Allan Frutuozo da Silva, condenado por porte ilegal de arma — a defesa disse que recorre da decisão em segunda instância.
Segundo a consultoria Quaest, o canal de Bárbara fatura R$ 48 mil, e o de Frutuozo, cerca de R$ 34 mil. A dupla veicula conteúdos com ataques ao STF e desinformação. Frutuozo, cuja conta no Twitter está suspensa por violação de regras da rede, disse ao GLOBO que o “sucesso do seu canal deve-se ao aumento do interesse do público por política e ao crescimento da direita”.
De acordo com o levantamento da consultoria, entre os canais mais lucrativos, além de Paim, está o Terça Livre, de Allan dos Santos — alvo de duas operações da Polícia Federal e investigado nos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos no STF. A Quaest estima que Santos arrecade cerca de R$ 150 mil por mês no YouTube.
DISSIDENTE – Com mais de 1 milhão de seguidores, o youtuber Diego Rox deixou o bolsonarismo em setembro de 2019 insatisfeito com o discurso de proteção ao senador Flávio Bolsonaro. Desde então, perdeu cerca de 300 mil seguidores, viu sua renda cair e passou a sofrer ataques até contra o seu filho.
— Não dá para saber o quanto dos comentários são reais e o que vem de robôs. Perder público é normal. Mas os ataques são desumanos — conta.
O YouTube disse que a remuneração dos canais não depende apenas da quantidade de vezes que o vídeo foi visualizado, e que tem regras de uso da plataforma. Diz que busca manter o caráter aberto da rede e, ao mesmo tempo, propiciar ambiente seguro e informativo para os usuários. Só no primeiro trimestre, o YouTube removeu 484 mil vídeos por violação de suas políticas.
O Globo
Atacar as instituições e adversários políticos do presidente Jair Bolsonaro e defender o seu governo tornou-se uma receita capaz de alavancar a audiência de produtores de conteúdo no YouTube, os youtubers. Impulsionados pelos influenciadores governistas, canais que adotam essa pauta, mesmo com menos de um ano no ar, chegam a receber até R$ 100 mil mensais da plataforma, segundo estimativa da consultoria Quaest — os maiores podem alcançar R$ 150 mil.
O YouTube remunera os canais hospedados de acordo com o volume de acessos a cada página. Segundo relatos feitos ao Globo por seis dissidentes do grupo, o apoio aos novatos é uma ferramenta usada para construir uma rede fiel ao governo.
INDICAÇÃO DE TEMAS – O mecanismo começa pela distribuição quase diária de orientações sobre assuntos que devem ser explorados. Essa diretriz chega por meio de grupos de WhatsApp ou pode ser observada no Twitter.
— Eu presenciei uma organização entre youtubers bolsonaristas para que falassem nos vídeos sobre os assuntos em alta naquela bolha. Havia um grupo no WhatsApp com vários influenciadores. Bastava uma postagem em apoio ao governo para ser compartilhado por muitas contas e ver o número de seguidores aumentar — diz o estudante de Comunicação Felipe Ferreira, de 21 anos, que tem 560 mil inscritos em seu canal, criado em abril de 2019.
Com três milhões de inscritos em seu canal, o músico Nando Moura, também um dissidente do bolsonarismo, chegou a denunciar no Twitter que havia recebido orientações de como se portar na rede social.
CONTRA A LAVA JATO – Moura expôs uma mensagem que havia recebido por WhatAapp de uma pessoa de nome Tomaz, que, segundo ele, é responsável pelo perfil Isentões e “faz a cabeça de 90% dos canais conservadores”. Na mensagem de agosto de 2019, Tomaz diz que é importante que “travem a Lava-Jato” e pede que alguns ministros do Supremo sejam poupados de ataques.
Ainda no relato de youtubers dissidentes, quem segue esse tipo de orientação acaba sendo recomendado pelos perfis maiores. Com isso, aumenta as visualizações dos vídeos e o faturamento. O YouTube paga entre US$ 0,25 e US$ 4,50 para cada mil visualizações. Os anúncios são distribuídos pela plataforma de modo automatizado, de acordo com algoritmos, na chamada mídia programática.
— Quando influenciadores são recomendados como fontes de informação por políticos da direita, mais pessoas são engajadas e isso vira dinheiro — afirma Ferreira.
MASSIFICAÇÃO – “A narrativa defendida pelos bolsonaristas mais proeminentes na política vira pauta dos maiores canais de YouTube. Todos abordam de forma uníssona o tema para ficarem bem aos olhos da família Bolsonaro e dos políticos ao seu redor e se manterem em relevância. Os canais menores replicam as mesmas narrativas para entrarem neste “clube” — afirma Marcelo Brigadeiro, outro dissidente e com 378 mil inscritos em seu canal.
O engenheiro baiano Kim Paim, que mora na Austrália, começou a fazer vídeos em setembro do ano passado. Desde maio, Paim é compartilhado pelo deputado Eduardo Bolsonaro e pelo vereador Carlos Bolsonaro, filhos do presidente. De acordo com dados da Quaest, em março ele tinha 27 mil seguidores, e até sexta-feira já estava com 322 mil. A consultoria estima que ele fature R$ 103 mil mensais. Há cinco anos na Austrália, o engenheiro já fez entrega de comida de moto e foi faxineiro, emprego que diz ainda manter. Nos vídeos, Paim já propagou a teoria falsa de que o coronavírus foi criado em laboratório por chineses. Procurado por e-mail, ele não respondeu.
NOTÍCIAS FALSAS – Entre os neófitos cujo ganho chama a atenção no YouTube estão Bárbara Destefani, citada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, como parte de um mecanismo de criação e divulgação de notícias falsas, e Allan Frutuozo da Silva, condenado por porte ilegal de arma — a defesa disse que recorre da decisão em segunda instância.
Segundo a consultoria Quaest, o canal de Bárbara fatura R$ 48 mil, e o de Frutuozo, cerca de R$ 34 mil. A dupla veicula conteúdos com ataques ao STF e desinformação. Frutuozo, cuja conta no Twitter está suspensa por violação de regras da rede, disse ao GLOBO que o “sucesso do seu canal deve-se ao aumento do interesse do público por política e ao crescimento da direita”.
De acordo com o levantamento da consultoria, entre os canais mais lucrativos, além de Paim, está o Terça Livre, de Allan dos Santos — alvo de duas operações da Polícia Federal e investigado nos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos no STF. A Quaest estima que Santos arrecade cerca de R$ 150 mil por mês no YouTube.
DISSIDENTE – Com mais de 1 milhão de seguidores, o youtuber Diego Rox deixou o bolsonarismo em setembro de 2019 insatisfeito com o discurso de proteção ao senador Flávio Bolsonaro. Desde então, perdeu cerca de 300 mil seguidores, viu sua renda cair e passou a sofrer ataques até contra o seu filho.
— Não dá para saber o quanto dos comentários são reais e o que vem de robôs. Perder público é normal. Mas os ataques são desumanos — conta.
O YouTube disse que a remuneração dos canais não depende apenas da quantidade de vezes que o vídeo foi visualizado, e que tem regras de uso da plataforma. Diz que busca manter o caráter aberto da rede e, ao mesmo tempo, propiciar ambiente seguro e informativo para os usuários. Só no primeiro trimestre, o YouTube removeu 484 mil vídeos por violação de suas políticas.
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