A briga por recursos públicos e o medo de desaparecer derruba pela metade o número de partidos efetivos no Congresso. Duda Teixeira para a Crusoé:
Os
brasileiros elegeram deputados de 30 partidos diferentes em 2018. Neste
pleito, o número caiu para 23. A queda é mais significativa quando se
consideram apenas as siglas com bancadas fortes o suficiente para propor
e aprovar leis. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, a soma irá de 16,
atualmente, para nove. Quase a metade. Daqui a quatro anos, é provável
que chegue a sete, o que colocaria o Brasil finalmente no mesmo patamar
das democracias mais tradicionais. Se nenhuma surpresa acontecer, uma
das principais anomalias da política brasileira, o absurdo número de
legendas, será parte do passado.
A
principal causa da redução de siglas na Câmara é a cláusula de
barreira, ou de desempenho. Desde as eleições de 2018, as siglas que não
alcançam uma porcentagem mínima de votos ou um número determinado de
deputados perdem o acesso ao fundo partidário, usado para pagar despesas
correntes como aluguéis e salários, e o direito a aparecer no horário
gratuito de rádio e televisão. Um dos objetivos é o de acabar com as
legendas de aluguel, usadas por seus chefes para barganhar cargos e
verbas — um processo que transforma o presidencialismo de coalizão em
mero presidencialismo de cooptação. Com a aplicação da regra nos últimos
quatro anos, deputados de siglas menores migraram para as maiores,
esvaziando alguns partidos, e legendas se fundiram. Na eleição deste
ano, realizada em 2 de outubro, o limiar de votos foi de 2% dos votos ou
11 deputados federais eleitos. PSC, Patriota, Solidariedade, Pros, Novo
e PTB não cumpriram com esses requisitos.
A
cláusula de barreira não proíbe a existência de partidos nanicos,
apenas corta a oxigenação financeira deles e a possibilidade de se
mostrarem para um público amplo. No final, o resultado é parecido e pode
ser devastador. Mas o efeito dessa medida foi atenuado por um jeitinho
inventado no final do ano passado. Seguindo o instinto de
autopreservação, políticos criaram as federações, com as quais os
partidos podem somar votos ou o número de deputados para manter o
direito ao fundo partidário e ao horário gratuito. “Essas federações
foram claramente pensadas para salvar os partidos da cláusula de
barreira”, diz Clever Vasconcelos, professor de direito constitucional e
eleitoral do Ibmec e promotor de justiça do Ministério Público de São
Paulo.
O
mecanismo funcionou. O Cidadania elegeu seis deputados e deveria perder
o acesso ao fundo e ao horário gratuito, não fosse uma federação
formada com o PSDB, que emplacou 13 deputados. O PV, com seis deputados,
e o PC do B, também com seis, seriam prejudicados se não tivessem feito
uma federação com o PT, que elegeu 68. A Rede, com dois, também se
safou ao se unir ao Psol, com doze. São essas as três federações
formadas até agora no país.
Apesar
disso, o recurso às federações não reverteu a sensação de que os
partidos que murcharem demais um dia terão os tubos que os alimentam
retirados. E o risco deve aumentar. Em 2030, o patamar para garantir os
recursos públicos subirá para 3% dos votos válidos ou quinze deputados
federais eleitos.
“Como
os partidos brasileiros dependem inteiramente do financiamento público,
a perspectiva de ficar sem dinheiro mexeu com eles e os obrigou a lutar
pela sobrevivência. Mesmo partidos medianos ficaram sob estresse e
começaram a procurar fusões”, diz a cientista política Silvana Krause,
professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e
secretária-geral da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais. O
PSL, após a saída do presidente Jair Bolsonaro e de seus seguidores,
aproximou-se do DEM e formou o União Brasil, no início do ano. Agora, o
União busca uma aliança com o PP, o qual por sua vez quer reeleger
Arthur Lira na Presidência da Casa para continuar mandando no orçamento
secreto.
Com
a diminuição do número de partidos, os eleitores brasileiros poderão
identificar mais facilmente cada um deles e entender as suas diferenças.
Em contrapartida, espera-se que as siglas deixem mais claras as suas
ideias e seus programas de governo. Até partidos maiores, como o MDB,
uma colcha de retalhos formada por caciques regionais, pode passar por
metamorfoses. Prova disso é que, com a candidata Simone Tebet não
passando para o segundo turno, uma parte do partido deu apoio a
Bolsonaro e outra, a Lula. “Como não há uma homogeneidade, é praxe no
MDB deixar seus membros livres para votarem em quem quiserem, como
fizeram esta semana”, diz Silvana Krause, da UFRGS.
Mas
uma evolução dos partidos pode não passar de pensamento positivo.
Enquanto dependerem totalmente de fundos públicos, as legendas nunca
precisarão verdadeiramente se preocupar em ir atrás dos possíveis
eleitores para entender seus desejos e melhor atendê-los. “Em países
onde os partidos dependem das contribuições dos seus apoiadores, como o
Reino Unido, seus membros tocam as campainhas das casas para explicar as
ideias e pedir ajuda. No Brasil, como a verba está assegurada, não há
necessidade de ir até o povo”, diz o cientista político Bruno Bolognesi,
da Universidade Federal do Paraná.
O
único que escapa a essa lógica é o Novo, que por princípio se recusa a
usar os fundos partidário e eleitoral, dado para as campanhas. Desde sua
fundação, o partido se sustenta apenas com as mensalidades pagas por
seus filiados. A agremiação, assim, continuará a existir, mesmo sem as
verbas públicas e sem usar o horário gratuito no rádio e na televisão.
Será um desafio enorme, principalmente porque o Novo só elegeu três
deputados federais e seu candidato presidencial este ano, Luiz Felipe
D’Ávila, teve apenas 0,47% dos votos. “Apesar do resultado, tivemos
muitas filiações novas desde domingo, bem acima da média, e já estamos
planejando nossa expansão nos municípios para as eleições de 2024”,
disse em nota o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro. As próximas
eleições dirão qual foi o exato impacto da cláusula de barreira em cada
partido brasileiro. De todo modo, a redução do número deles é um bom
sinal.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário