Ganhe Lula ou Bolsonaro, esta eleição presidencial será a última de um ciclo politico que começou com a queda da ditadura militar mas está a chegar ao fim. É essa transformação que interessa analisar. João Marques de Almeida via Observador:
Completamente
vidrados (para usar uma palavra bem brasileira) em Bolsonaro, muitos
comentadores não notam o que de mais interessante está a acontecer no
Brasil. Mas antes de tratar desse tema, vamos brevemente a Bolsonaro e a
Lula. Para mim, é incompreensível que o Brasil tenha que escolher entre
Bolsonaro e Lula. Mas não quero julgar os brasileiros. Estive uma
semana no Brasil em trabalho, e falei com muitos brasileiros, de
esquerda e de direita. Há uma minoria que também não entende a escolha
entre Bolsonaro e Lula. Mas a maioria ama ou odeia Bolsonaro e Lula. Não
é fácil entender devidamente as razões dessa polarização. Mas, de certo
modo, Lula e Bolsonaro são as duas faces da mesma (má) moeda. Bolsonaro
só foi eleito em 2018 por causa da corrupção e do abuso de poder do PT.
E, apesar de erros desastrosos durante o seu mandato, só está na
segunda volta porque o outro candidato é Lula. De um modo semelhante,
apesar do passado do PT e do desprezo que muito brasileiros sentem pelo
partido, Lula só pode ganhar porque o seu adversário é Bolsonaro. Mas
Lula é maior do que o PT. E Bolsonaro é mais pequeno do que o centro, o
centro direita e a direita. Por isso, Lula é o favorito. Ganhe Lula ou
Bolsonaro, esta eleição presidencial será a última de um ciclo politico,
que começou com a queda da ditadura militar, mas que está a chegar ao
fim. É essa transformação que interessa analisar. Convém, aliás,
recordar que já houve umas eleições: as eleições para o Congresso. O
resultado dessas eleições diz-nos muita coisa.
Antes
de mais, o sistema partidário brasileiro está a passar por uma profunda
mudança. É verdade que sempre houve um número exagerado de partidos,
que se juntam, acabam e renascem frequentemente. Mas o PT, o PSDB e o
PMDB dominaram a política brasileira desde o regresso da democracia.
Entre 1994 e 2015, os presidentes vieram do PT e do PSDB: Fernando
Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff. O PMDB fez sempre parte das
coligações de governo, com o PSDB e com o PT, durante todo esse tempo, e
continuou no governo até 2018, com Temer na Presidência. Entre 1994 e
2018, todas as eleições presidenciais foram decididas entre candidatos
do PSDB e do PT (em 1994 e em 1998, FHC ganhou na primeira volta a Lula,
de 2002 a 2014, os candidatos do PT, Lula e Dilma, ganharam na segunda
volta a candidatos do PSDB – Serra, duas vezes, Alckmin e Aécio). Em
2018, já não houve candidato do PSDB na segunda volta. Agora, nem sequer
houve candidato presidencial do PSDB. Nas eleições para o Congresso, o
PSDB sofreu o pior resultado da sua história desde 1994. Mais grave,
pela primeira vez desde 1994, o Governador do Estado de São Paulo não
será do PSDB. O velho partido fundado por FHC pode estar perto do fim.
O
PMDB, agora MDB de novo, vai resistindo. Mas deixou de ser um grande
partido, indispensável a uma maioria governamental. Não passa agora de
um partido médio. Nas eleições para o Congresso, do passado dia 2, ficou
no quinto lugar ao lado do PSDB. Dos tradicionais três grandes
partidos, o PT é o que melhor resiste. Ficou em segundo lugar nas
eleições para o Congresso, domina na esquerda, mas foi incapaz de se
renovar. A incapacidade de arranjar uma alternativa a Lula mostra a sua
falta de renovação. E a sua segunda figura, Haddad, é um verdadeiro
derrotado. Exibe no seu currículo derrotas nas eleições para a
Perfeitura de São Paulo, para o Estado de São Paulo e para a Presidência
da República. O mais provável será perder de novo na segunda volta da
eleição para Governador do Estado de São Paulo. Provavelmente, o
candidato presidencial da esquerda brasileira no pós-Lula não será do
PT.
A
afirmação da direita brasileira constitui a segunda grande mudança da
política brasileira. As duas Casas do Congresso têm, a partir de 2 de
Outubro, uma maioria de direita. Ainda nos lembramos dos tempos em que
se dizia que no Brasil não havia direita, mas apenas esquerda (PT) e
centro (PSDB e PMDB). Esse tempo acabou. No Brasil há agora uma direita
política com força, o que em grande medida explica a implosão do PSDB.
Se as coisas correrem bem, o período dominado por Bolsonaro
corresponderá ao radicalismo de quem saiu do armário com fúria. E o
pós-Bolsonaro terá uma direita desenvergonhada, afirmativa,
conservadora, mas moderada. Neste sentido, valerá a pena acompanhar o
percurso político do Governador de Minas Gerais, Romeu Zema (do Novo),
reeleito na primeira volta, e do provável futuro Governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas.
Finalmente,
há uma transição fundamental no sistema político brasileiro. O
presidencialismo deu o lugar a um regime mais parlamentarista. Essa
transição começou com a impugnação de Dilma Rousseff, em 2015. Desde aí,
os Congressistas não permitiram que lhe retirassem o poder conquistado.
Pelo contrário, o Congresso até reforçou o seu poder durante a
presidência de Bolsonaro, o que aqueles que apenas viam o “fascismo” à
frente nunca entenderam.
Seja
qual for o resultado da eleição presidencial, o predomínio do Congresso
irá manter-se. As maiorias políticas formam-se agora no Congresso, e
são lideradas pelos Presidentes da Câmara e do Senado. Deixaram de ser
formadas e lideradas pelo Presidente Federal, como Bolsonaro bem sabe.
Se Lula for eleito, o primeiro ano será dominado pela disputa entre o
Presidente e o Congresso pelo domínio da política brasileira. Haverá
concessões de ambos os lados, mas Lula nunca mais será o Presidente
poderoso como foi entre 2002 e 2010. Será a consequência de um
Presidente que divide mais do que une. Se Bolsonaro ganhar, o Congresso
também não deixará o Presidente retirar-lhe poder.
Nos
últimos anos, o regime politico brasileiro tornou-se mais parlamentar e
menos presidencialista. Nos finais dos anos de 1980 e no início dos
anos de 1990, as forças mais democráticas, como o PSDB, queriam um
regime parlamentar, para fazer uma ruptura absoluta com o
presidencialismo da ditadura militar (ao contrário do PT que, educado em
Cuba, também desejava um presidencialismo centralizador). Não deixa de
ser duplamente irónico que o parlamentarismo está a triunfar quando o
PSDB está a morrer, e que isso aconteceu durante a presidência de um
capitão que gosta de elogiar a ditadura militar. No Brasil, tal como em
qualquer outro país, a realidade tem mais força do que as palavras.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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