A
virada é incrível: de besta fera da esquerda, a instituição gerida pela
discutível Kristalina Georgieva provoca críticas entre liberais. Vilma Gryzinski:
“O FMI
tornou-se um vetor de complacência, espalhando o caos por onde quer que
vá. Membros do FMI deveriam varrer do mapa sua liderança inepta e
preguiçosa”.
Poderia
ser um militante peronista dizendo isso, mas o autor das críticas é
Matthew Lynn, comentarista financeiro do liberal clássico Telegraph,
indignado com a “intervenção ridícula” do Fundo quando o novo governo da
primeira-ministra britânica, Liz Truss, anunciou um pacote de medidas que fez a libra cair – hoje, por motivos diferentes, a esterlina voltou a despencar.
Outro
colunista do jornal – onde não há, absolutamente, unanimidade sobre o
pacote de corte de impostos e regulamentações para insuflar o PIB –
celebrou quando o FMI reconheceu que o projeto do governo ajudará a
Grã-Bretanha a ter o maior crescimento entre os países do G7, de 3,6%
(mas terá também a inflação mais alta).
No
seu relatório semestral de monitoramento da economia global, o Fundo
também alertou os bancos centrais a “manter o rumo” no combate à
inflação e que “o pior ainda está por vir”, com um terço da economia
mundial entrando em recessão no próximo ano.
Fazer
este tipo de alerta e ser um bastião da ortodoxia econômica quando os
heterodoxos, aqui sinônimo de gastadores, quebravam e tinham que apelar
para o último recurso – criado exatamente para isso – sempre foram
atributos do FMI, saído da histórica conferência de Bretton Woods, em
1944.
Por causa de um acordo com o FMI, os kirchneristas armaram um conflito nada sutil com o governo do presidente Alberto Fernández.
Como manda a tradição, o governo teve que se comprometer a equilibrar o
orçamento e cortar subsídios altíssimos, como o feito ao consumo de
energia, para garantir o empréstimo de 44 bilhões de dólares.
A
Argentina é um caso totalmente fora da curva: já assinou mais de vinte
acordos com o FMI, na maioria desencadeando as críticas de esquerda ao
que sempre foi pintado como submissão ao malvado capitalismo
internacional (sinônimo de Estados Unidos, caso alguém tenha alguma
dúvida).
O
curioso é que mesmo com um devedor sistemicamente nada confiável como a
Argentina, o FMI pisa em ovos. Ou pelo menos não faz críticas abertas e
agressivas como as disparadas no final de setembro contra o pacote de
Liz Truss e seu ministro da Economia, Kwasi Kwarteng.
“Diante
das pressões inflacionárias crescentes em muitos países, incluindo o
Reino Unido, não recomendamos pacotes fiscais grandes e genéricos nesse
momento, da mesma forma que é importante que a política fiscal não
trabalhe em oposição aos objetivos da política monetária”, disse um
porta-voz do FMI na época.
A
declaração, juntamente com advertências da Moody’s sobre o risco-país, o
aumento da taxa de juros e o perigo enfrentado por fundos de pensão não
só alimentou o momento de crise da libra como deu a impressão de que o
mundo estava caindo sobre a cabeça dos britânicos.
A
reação ecoou, em certos aspectos, as críticas feitas pelo ministro da
Economia, Paulo Guedes, no mês passado, quando disse que o FMI “não
ajudou em nada, só atrapalhou” em 2020, quando projetou uma queda de
9,1% do PIB brasileiro por causa da pandemia – o número real foi de
4,1%.
A
diferença é colossal e as explicações são falhas, mesmo que se admita a
existência, no FMI, da categoria “economistas com raiva do governo”,
uma nova contribuição brasileira ao dicionário mundial das maluquices
para justificar projeções erradas.
O
FMI já havia errado em previsões do crescimento da economia britânica
na época em que tinha como diretora-gerente a francesa Christine
Lagarde. A atual presidente do Banco Central Europeu chegou a brincar
perguntando se precisava se ajoelhar para pedir desculpas pelo erro.
Quem já não concordava com Christine Lagarde passou a gostar menos ainda de sua substituta, Kristalina Georgieva.
A
economista búlgara que fez carreira nos altos escalões da burocracia
global – Comissão Europeia e Banco Mundial – tem um currículo manchado.
Uma investigação interna concluiu, no ano passado, que ela havia
pressionado funcionários do Banco Mundial a manipular dados e melhorar a
posição da China numa lista de melhores países para fazer negócios.
Mas
ela foi “perdoada” pelo conselho de administração do FMI, criando a
impressão de que a) a casta da burocracia mundial tem um forte espírito
de corpo e b) qualquer coisa que envolva a reputação da China tem uma
impressionante tendência a ser abafada.
O
FMI muitas vezes é acusado de notícias ruins pelas quais não é o
responsável, apenas o portador. As últimas projeções de recessão numa
economia importante como a da Alemanha são de doer, independentemente de
simpatias políticas.
A
economia, evidentemente, não é uma disciplina neutra. Basta ver as
críticas feitas ao Nobel de Economia dado a Ben Bernanke, o
ex-presidente do banco central americano que, dependendo da ótica,
salvou o mundo da falência na crise de 2008 ou abriu as portas da
enxurradas de dinheiro cujos efeitos deletérios são vistos até hoje.
Organismos
mundiais, evidentemente, precisam ser regidos pela imparcialidade, sem
simpatias ou antipatias pelos governos de plantão – que por sinal são de
países sócios do FMI, pagando inclusive seus 2 400 funcionários.
É gente demais para fazer previsões erradas ou distorcidas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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