Os ventos de mudança devem ter vindo para ficar, pelo que o impacto do fenômeno Bolsonaro na política brasileira deverá produzir efeitos duradouros mesmo em caso de não reeleição. André Azevedo Alves para o Observador:
As
atenções nas eleições brasileiras concentraram-se, compreensivelmente,
na disputa presidencial entre Bolsonaro e Lula, mas uma panorâmica mais
geral sobre os resultados mostra importantes avanços para a nova direita
brasileira centrada em torno do actual Presidente. Além de vários
resultados significativos em disputas por Governadores estaduais, a nova
direita brasileira reforçou significativamente a sua presença no
Congresso, ficando a direita (em sentido lato) maioritária tanto na
Câmara como no Senado.
Mas
se a esquerda foi em muitos casos penalizada pelo eleitorado
brasileiro, mais penalizados ainda foram os representantes da velha
direita e do centrão, percepcionados como tendo traído Bolsonaro. Mais
do que uma viragem à direita (que existiu), a nova composição do
Congresso brasileiro reflecte a reconfiguração do espectro político
brasileiro em torno da polarização, por um lado, entre várias esquerdas
nas quais pontifica o PT e, por outro, várias direitas, entre as quais
se destaca, pelo seu dinamismo, a nova direita nacionalista que combina
(bastante) conservadorismo social e (algum) liberalismo económico,
agregada em torno de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes.
Seja
qual for o resultado do segundo turno, esses ventos de mudança devem
ter vindo para ficar, pelo que o impacto do fenómeno Bolsonaro na
política brasileira deverá produzir efeitos duradouros mesmo em caso de
não reeleição. Uma reeleição que não é de excluir, apesar da vantagem de
Lula no primeiro turno. Sendo certo que Lula parte como favorito dada
essa mesma vantagem, a verdade é que, depois de a larga maioria das
sondagens pré-eleitorais terem subestimado o resultado de Bolsonaro, o
momentum está com o actual Presidente. Mais: os resultados da nova
direita brasileira no primeiro turno implicam que Bolsonaro conta para o
segundo turno com apoio de várias figuras eleitoralmente legitimadas
que poderão ajudar a mobilizar votos, em especial nos Estados cruciais
de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. A tarefa
de Bolsonaro é muito difícil, mas não impossível.
Não
obstante a polarização extrema no Brasil motivar preocupação, há razões
para estar moderadamente optimista quanto à estabilidade do regime,
quer em caso de vitória de Lula, quer de Bolsonaro. O PT mantém a sua
matriz identitária de partido revolucionário mas as anteriores passagens
pela presidência de Lula (e Dilma) evidenciaram que o regime brasileiro
possui freios e contrapesos suficientes para travar as pulsões
revolucionárias e impor alguma moderação institucional. A este respeito,
a escolha por Lula de Geraldo Alckmin (que foi o principal opositor de
Lula nas presidenciais de 2006) é elucidativa e mostra também que é
prioritário para o PT não assustar os investidores. Quanto a Bolsonaro, a
realidade do exercício do primeiro mandato deveria ser suficiente
também para afastar fantasmas de um possível regresso à ditadura, além
de que o referido sistema de freios e contrapesos se lhe continuará
também a aplicar num eventual segundo mandato (com destaque para o STF, cujo grau de activismo judicial se tem por vezes confundido com oposição política activa ao Presidente e seus apoiantes.
Uma
incógnita particularmente interessante em caso de vitória de Lula será o
futuro político de Paulo Guedes, o super-ministro de Bolsonaro,
estratega e arauto da ala mais liberal da nova direita brasileira. A
vitória de Bolsonaro em 2018 não pode ser compreendida sem a articulação
entre as duas figuras. Se Bolsonaro foi a face (mais) visível, o líder
carismático e o principal porta-voz da nova direita brasileira em
ascensão, Guedes foi o estratega e a garantia de solidez e credibilidade
na formulação e implementação da política orçamental e económica, aliás
com notáveis resultados. Em caso de reeleição, a dupla deverá
prosseguir a sua articulação na governação. Em caso de derrota de
Bolsonaro, o actual Presidente poderá assumir a liderança da oposição, o
que geraria certamente uma dinâmica de reforço da polarização com Lula e
com o PT. Mas é possível também que uma derrota gere um vazio de
liderança à direita. Guedes seria um interessante candidato a preencher
esse vazio de liderança da nova direita brasileira, mas fica por saber
se, com o seu perfil essencialmente técnico, terá a vontade e as
características de liderança necessárias para tal.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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