BLOG ORLANDO TAMBOSI
Os
americanos estão comendo mais depois da pandemia — e ainda por cima
pagando contas até 10% mais altas pelos produtos alimentícios. Também
estão mudando de emprego ou simplesmente de estilo de vida, o que causa
falta de mão de obra em setores que vão de caminhoneiros a operadores do
mercado financeiro, pressionando os salários para cima. Mudanças
comportamentais e choque de placas tectônicas como a Covid e a invasão
da Ucrânia confluíram para uma inflação de 7,9%. Os resultados são
visíveis na popularidade de Joe Biden: seus índices de aprovação
despencaram para até 35% — não muito diferente de Jair Bolsonaro,
habitualmente retratado como o pior presidente da história da
humanidade. O que Biden fez de tão horripilante para cair tanto? Fora ir
à caça de combustíveis fósseis no mais errado dos momentos, ele
basicamente gastou muito em programas emergenciais, o que de forma geral
serve para aumentar, não diminuir, a popularidade. Com preços em alta, a
coisa muda.
Na
Argentina, todo o habitual melodrama político pode ser resumido em dois
dados: inflação, 51%; desaprovação a Alberto Fernández, 81%. A rejeição
da maioria dos franceses ao nome Marine Le Pen impulsionou a reeleição
de Emmanuel Macron, mesmo com uma campanha oposicionista intimamente
abraçada ao custo de vida. Mas atenção para o detalhe: a França tem a
inflação mais baixa entre os países da União Europeia, 4,2%. E a renda
média na verdade aumentou durante o governo Macron.
No
Reino Unido, a realidade do mundo pós-pandêmico e a inflação de 7,4%
estão pegando forte. O FMI prevê que o reino enfrente “o pior dos
mundos”: mercado de trabalho aquecido, como nos Estados Unidos, e preços
da energia enlouquecidos, como na União Europeia. Contrariando um dos
fundamentos da filosofia conservadora, o governo de Boris Johnson optou
pela dolorosa sanidade fiscal e aumentou impostos. A contribuição para a
previdência social vai subir 1,5 ponto porcentual agora em abril.
Temperado com o caso das festinhas no trabalho durante a pandemia, o
resultado é de nível argentino: só 28% dos eleitores continuam fiéis ao
primeiro-ministro, um desastre histórico.
Qual
economista colocaria no seu programa de planejamento duas encarnações, a
delta e a ômicron, de um vírus de alcance global que devastou as
atividades produtivas durante quase dois anos? Ou quem imaginaria que as
exportações de fosfato vindo da Rússia se transformariam num tema
existencial para o Brasil? “Foi uma série de eventos que nunca vimos
antes e continua a parecer que vai piorar antes de melhorar”, resumiu
para o Guardian o especialista em commodities Josh Linville, falando
sobre a crise de fertilizantes agrícolas. Indiretamente, ele resumiu o
que “todo mundo” pensava: a Rússia consumaria uma invasão rápida e tudo
mais ou menos voltaria ao que era antes. Com sua defesa
surpreendentemente valente, os ucranianos resolveram mostrar que “todo
mundo” estava errado. E que, aqui, em se plantando tudo dá, contanto que
tenha superfosfato triplo, um dos nutrientes atingidos pela tempestade
perfeita: suspensão de exportações, gargalo logístico e preços doidos.
Acaba tudo no custo da comida no prato, na dor no bolso e nos índices de
popularidade política amputados à foice.
Publicado em VEJA de 4 de maio de 2022, edição nº 2787
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