Marcelo Godoy
Estadão
O País se deu conta nesta semana de que o projeto dos militares que apoiam o governo de Jair Bolsonaro prevê a manutenção do poder até 2035. Até lá, eles terão avançado na tarefa de remodelar o Estado, vencendo uma nova guerra. Na falta do Movimento Comunista Internacional, identificam o “globalismo” como a doutrina inimiga que pretende subjugar a Pátria.
É a banca internacional – a alta finança – que ocupa o lugar que um dia foi dos bolcheviques, criando uma situação interessante. O discurso contra a plutocracia, tão em moda entre os radicais da direita dos anos 1920, orgulha-se em dividir a mesa com Elon Musk, mas é refratário ao dinheiro de George Soros.
ESTUDO PARAMILITAR – Tudo isso está no “Projeto de Nação, o Brasil em 2035”, um estudo paramilitar do Instituto Villas Bôas, entidade criada pelo general Hamilton Brandão, vice-presidente da República, em parceria com o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército e mentor de Jair Bolsonaro em 2018, mas hoje imobilizado por graves problemas de saúde.
Mourão coordenou elaboração do “Projeto de Nação” em parceria com institutos Sagres e Federalista, também mantidos por militares, e teve o apoio da atual estrutura dos ministérios, que distribuíram questionários pelo País, cujas respostas moldaram o documento, conforme disse seu coordenador, o general Rocha Paiva. Assim é fácil.
O plano dos generais Eduardo Villas Bôas e Hamilton Mourão defende maior austeridade pública, mas somente para os civis, pois os militares continuariam com suas mesmas prerrogativas.
CIVIS E MILITARES – Por exemplo, a meta é cobrar o atendimento no SUS de quem ganha mais de três salários mínimos, mas os militares seguiram com seu próprio plano de saúde, dentro do desconto de apenas 3,5% do salário, a título de assistência médica, hospitalar e previdenciária, enquanto os civis pagam 11% ou mais só para se aposentarem.
Pretende impor mensalidades aos alunos das universidades federais, enquanto os cadetes das Forças Armadas e das polícias recebem soldo nas suas escolas porque o estudo ali é visto como serviço e conta para aposentadoria.
Aliás, ao tratar da Educação, a intenção do “Projeto Nação” fica mais nítida. Quer “desideologizar” o ensino no País. Como fazer isso sem afrontar a liberdade de cátedra, a autonomia universitária e a liberdade de pensamento, é algo que não está explicado. É curioso que generais se sintam à vontade para impor ao mundo acadêmico aquilo que acusavam o PT de tentar impor às escolas de formação de oficiais: um currículo ao gosto de sua visão de mundo.
TUTELA IDEOLÓGICA – O leitmotiv do trabalho seria a tutela ideológica da sociedade? Se não, como explicar que até no capítulo que trata do combate à corrupção conste como diretriz para atingir esse objetivo “coibir a pregação ideológica radical nos três níveis da Educação”?
É como se a corrupção fosse problema da ideologia que se pretende combater: a dos outros. A corrupção não existiria no ouro dos pastores da Educação, no orçamento secreto, na compra de tratores ou caminhões de lixo e nas rachadinhas.
Por fim, quem oferece um projeto à Nação silencia sobre o exemplo que deve dar ao País, porque mantém os privilégios das corporações da burocracia civil e militar.
FALSA AUSTERIDADE – Neste “Projeto de Nação” não se toca no acúmulo de salários, na aposentadoria integral de militares e nas gratificações e auxílios deles e de carreiras privilegiadas, como a dos magistrados. Fica-se, assim, com a impressão de que a austeridade do projeto é só uma pimenta jogada nos olhos dos outros.
Esse ambicioso e ditatorial programa de gestão liderado pelo Instituto Villas Bôas (leia-se: generais Eduardo Villas Bôas e Hamilton Brandão) visa à manutenção do controle militar do governo até o ano de 2035, pelo menos. Ou seja, a partir do governo paramilitar de Jair Bolsonaro, seriam 20 anos de nova ditadura, quase se igualando aos 21 anos do regime militar de 1964.
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