Toda semana temos notícias de casos como o de Genivaldo para nos mostrar que somos maus. Mas também há sinais de que somos bons. Paulo Polzonoff via Gazeta do Povo:
Andam
me cobrando uma opinião sobre o caso Genivaldo, morto numa câmara de
gás improvisada no camburão de um carro da Política Rodoviária Federal
em Sergipe. Me sinto levemente ultrajado. Afinal, este é um daqueles
casos que não permitem ângulos inusitados ou grandes dribles literários.
A hipótese de que sobre o assunto eu tenha qualquer opinião que não a
óbvia é impensável.
A
opinião óbvia, só para deixar bem claro, é a de que os policiais
trataram um ser humano como se fosse um inseto digno de fumigador. O que
os levou a agir assim eu não sei nem tenho vontade de especular. Cansa,
e muito, fazer essas incursões imaginadas pela mente e coração alheios,
a fim de encontrar sempre a mesma história de dor, amargura,
ressentimento e crença na “educação pelo trauma”.
João
Cabral de Melo Neto preferia “educação pela pedra”. Que seja. Digo que é
pelo trauma para não ser acusado de plágio, mas a ideia é a mesma.
Trata-se de uma estratégia gravada no coração e mente de pessoas que
acreditam que apenas o sofrimento pode ensinar um valor positivo a
alguém. Essa é a ideia contida em toda violência usada como corretivo.
Incluindo, aí, a câmara de gás improvisada dos policiais que denigriram a
reputação da corporação.
A
imagem do camburão esfumaçado é a que está em voga no momento, mas
vemos a educação pelo trauma praticada o tempo todo ao nosso redor. Do
xingamento ao açoitamento em praça pública, do discurso cortante à
hermenêutica corrompida do Judiciário, o objetivo da educação pelo
trauma/pedra é humilhar e, assim, marcar no espírito do outro uma dor
inesquecível que, em teoria, o impedirá de repetir o erro.
Os
que defendem a educação pelo trauma, contudo, ignoram a incrível
tenacidade da estupidez humana, que nunca viu, não vê nem jamais verá no
trauma força de convencimento o bastante para fazer com que um homem
mau se torne bom. A verdade é que os homens, sobretudo os homens maus,
assimilam os traumas e seguem por essa vida ostentando os que lhes são
úteis e descartando aqueles que consideram minimamente prejudiciais às
boas imagens que têm de si.
Sinais
O
que me causa ainda alguma estranheza é o fascínio e facilidade com que
muita gente chafurda no mundo-cão. Em busca, suponho, da prova
definitiva de que somos maus, irremediavelmente maus, e que por isso é
necessária a criação de um sistema (geralmente utópico) para nos
proteger dos indivíduos mais repugnantes da espécie. Tem gente que sente
prazer em testemunhar tanta maldade – para assim talvez não se sentir
tão sozinho.
Semana
após semana, e não apenas nas páginas policiais, os sinais estão aí e
parecem reforçar a incontornável conclusão niilista de que somos maus.
Assassinato, estupro, guerra, conchavos, arbítrio, mentira, inveja e
ódio nos cercam no noticiário, muitas vezes sem deixar espaço para
qualquer tipo de esperança. Ora, como falar em esperança quando vemos
policiais executando outro ser humano, num espetáculo grotesco filmado
pelo onipresente Cinegrafista Covarde?
Os
sinais de que somos maus são claros e abundantes. Eles estão nas
pesquisas eleitorais, nas aspas das autoridades, nos movimentos do
tabuleiro político, nos embates entre celebridades, na despersonificação
do adversário, no julgamento sumário e na execução real e metafórica do
inimigo. Estão nas caixas de comentários, nos grupos de WhatsApp, nas
salas de reunião e até nas bocas dos personagens daquele série
engraçadinha, cheia de personagens repugnantes, que você curte na noite
fria e chuvosa “só para espairecer”.
Mas
há sinais de que somos bons. Só que esses sinais exigem garimpo, quando
não imaginação. Exigem até olhos com o super-poder de amplificar uma
gentileza para além do banal, dando-lhe a dimensão que lhe é de direito:
a de milagre. Exigem generosidade e cuidado. Afinal, quando nos
deparamos com um sinal de bondade, sabemos que estamos diante de algo
raro e frágil. São débeis, discretos mesmo, os sinais de que somos bons.
E eles preferem sempre o silêncio ao grito, o sorrisinho que mal se
nota à indignação vulgar.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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