Foram três golpes seguidos: hostilidade da Índia, o corte do 5G da
Huawei na Inglaterra e o fim do status especial para o comércio em Hong
Kong. Ditadura chinesa levou um chega pra lá. A propósito, segue coluna
de Vilma Gryzinski:
No mundo pós-coronavírus, tudo iria muito bem para o grande projeto
de dominação mundial de Xi Jinping: os Estados Unidos e outros aliados
prostrados pela epidemia e a economia mais doente ainda, a China a
postos para explorar as fraquezas dos adversários.
Na vida real, está indo tudo muito mal.
O maior golpe veio da Inglaterra e seu zigue-zagueante primeiro-ministro, Boris Johnson.
Depois de anunciar em janeiro, com o vírus ainda estendendo suas
garrinhas para fora, que a Huawei, a gigante chinesa da telefonia, faria
a implantação do 5G no reino, ele voltou atrás.
Certamente os Estados Unidos fizeram muitas promessas – e ameaças -,
mais importantes ainda para uma união de países que tem pela frente as
dores do parto do Brexit.
Sem contar na opinião unânime de todos os atuais e aposentados chefes
do serviço inteligência sobre os riscos quase suicidas implicados em
entregar, de bandeja, à Huawei – leia-se China – a porta dos fundos para
todos os segredos nacionais, inclusive os tecnológicos e militares.
Para estragar ainda mais a festa de Xi, a participação da Huawei no
3G e no 4G deve terminar até 2027 – um prazo considerado muito longo
pelos antichineses.
Eric Schmidt, o ex-Google, uma das pessoas mais qualificadas do
planeta para falar sobre o assunto, com a vantagem de ter 16 bilhões de
dólares que o imunizam a pressões, resumiu em palavras cautelosas, mas
precisas, o papel da gigante chinesa da telefonia.
“Não há dúvida que a Huawei se envolveu em algumas práticas que não são aceitáveis em termos de segurança nacional”.
“E não há dúvida de que informação procedente dos roteadores da
Huawei acabaram em última instância nas mãos do que parece ser o
Estado”.
Além de suas conhecidas qualificações, Schmidt hoje preside o Conselho de Inovação da Defesa, do Pentágono.
E não há dúvida que a cúpula militar americana é a mais preocupada,
digamos, com o avanço da China rumo ao domínio da telefonia na terra e
de todas as comunicações por satélite no espaço.
“As relações com a China nunca mais poderão ser como antes”, disse
Dominic Raab, o ministro britânico das Relações Exteriores, depois que
ficaram evidentes a negligência, a omissão ou coisa pior da China na
pandemia.
Termos similares foram usados por outros países europeus, com mais cautela devido à sino-dependência em matéria de exportações.
Inabalável jogador do xadrez mundial chamado geopolítica, Xi Jinping tem revelado pontos fracos. Ou excesso de autoconfiança.
Aumentar as pressões na disputa pelo controle do Mar do Sul da China
justamente quando os países ocidentais estão fragilizados expôs o tipo
de ambição que deixa em pânico vizinhos importantes como o Japão e a
Austrália.
Sem contar Taiwan, que vive sob a sombra da anexação pela China comunista – lembram-se que o gigante asiático tem partido único?
Em terra, o expansionismo chinês produziu um incidente bem ruim na fronteira com a Índia, no começo de maio.
Soldados sem armas de fogo, como demanda uma espécie de armistício
vigente na região disputada, avançaram sobre os indianos, atacando-os
com armas brancas, porretes e barras de ferro usadas para empalar
algumas das vinte vítimas.
Em represália, o primeiro-ministro Modi proibiu, entre outros 58 aplicativos chineses, o TikTok.
Depois do Brasil, a Índia é o maior consumidor do aplicativo, uma
espécie de “Instagram dos pobres” pela falta de sofisticação dos
popularíssimos filmetes de quinze segundos.
O TikTok é o primeiro sucesso de soft power da China, com dois bilhões de downloads no mundo todo. E já deu problema.
Para salvar sua imagem, e os negócios, a empresa ByteDance, dona do
aplicativo, anunciou que vai sair de Hong Kong para não ser obrigada a
dar informações sobre usuários, agora compulsivas.
A imposição de uma nova lei de segurança nacional em Hong Kong, onde
os protestos contra a mão pesada estavam sendo retomados depois de
passada a pandemia, foi outro lance chinês no mundo pós-corona.
Na prática, cancela o acordo de “um país, dois sistemas”, vigente
desde que a Inglaterra saiu da ex-colônia sob promessas de que as
liberdades fundamentais continuariam em vigor.
A iniquidade anunciada para Hong Kong provocou reações até entre a sempre timorata União Europeia.
Disse o chefe do departamento encarregado de relações com a China, Reinhard Burtikofer:
“A China está reforçando estrondosamente a impressão que vem sendo
formada desde a eclosão da crise da Covid-19 de que a liderança de
Pequim está indo além da assertividade, tornando-se arrogante e
agressiva”.
Para colocar mais água no uísque de Xi Jinping, Donald Trump anunciou
ontem que, por causa da nova lei, estava cancelando o acordo de
tratamento especial nas relações comerciais – basicamente o direito de
evitar tarifas de exportação -, vigente com Hong Kong desde 1984.
A China prometeu represálias, como fez no caso da Huawei no Reino Unido.
De represália em represália, Xi Jinping e seus parceiros de expansionismo vão mostrando a verdadeira face.
E que a parte do “arrogante e agressiva” está só começando.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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