BLOG ORLANDO TAMBOSI
O grande perigo em tudo isto é a possibilidade de favorecimento eleitoral da “extrema-direita”. Os escândalos, pelos vistos, não são os escândalos propriamente ditos. A crônica semanal de Alberto Gonçalves para o Observador:
Uma
empresa de mobiliário lançou um anúncio em que aludia aos 75.800€
encontrados no gabinete do chefe de gabinete do dr. Costa. Numa primeira
fase, os avençados do PS ficaram à espera de directivas sobre o modo de
actuar. Numa segunda fase, o responsável pela propaganda do partido, um
sujeito que me dizem ter sido comentador da bola, deu o mote: o
fundador do Ikea foi nazi, revelação chocante que era do domínio público
há décadas e fundamentada numa tolice de adolescência (é difícil de
acreditar, mas há quem seja comunista numa idade avançada). Numa
terceira fase, os avençados do PS saíram a repetir o guião: o Ikea é
fascista, os clientes do Ikea são fascistas, os publicitários do Ikea
são fascistas e o anúncio serve os interesses da “extrema-direita”,
naturalmente fascista.
O
episódio, depressa engolido pela notícia de que o “eng.” Sócrates iria a
julgamento pelos crimes que um juiz simpático achava que ele não
cometera, mostra pela enésima vez a sofisticação do debate político
nacional: de uma graçola destinada a vender uma estante saltou-se sem
interrupções para o nazismo. A “reductio ad Hitlerum” nunca teve tanta
saída quanto nestes desvairados tempos. Aliás, a falácia ficou a
centímetros de ser usada novamente no dia seguinte, aquando das
evoluções no caso do herdeiro do volfrâmio. Minutos após se conhecer a
decisão do Tribunal da Relação, ouvi na rádio alguém notar que o grande
perigo em tudo isto é a possibilidade de favorecimento eleitoral da
“extrema-direita”.
Os
escândalos, pelos vistos, não são os escândalos propriamente ditos.
Como na história do tal sr. Escária, em que largos milhares de euros
guardados sem justificação a escassos metros do primeiro-ministro não
indignaram quase ninguém, também a história do “eng.” Sócrates, e dos
largos milhões que ele alegadamente abarbatou, não constitui um
problema. O problema não é que dois governantes se vejam envolvidos ou
rodeados de trapaças dignas da Nicarágua: o problema é que as trapaças
se venham a saber, maçada que óbvia e tragicamente pode beneficiar a
“extrema-direita”. O ideal é que a residência oficial de S. Bento passe a
ostentar o dístico: Não roubarás (de maneira a dar nas vistas, porque
beneficia a “extrema-direita”)!
Com
excepções, por exemplo a da Madeira, em que as trapalhadas
protagonizadas pelo chefe local e pelo autarca do Funchal são igualmente
susceptíveis de beneficiar a “extrema-direita” (juro que vi a tese ser
usada), o papão da “extrema-direita” é sobretudo agitado pelas bandas do
PS e dos partidos leninistas seus aliados. É o “argumento” de campanha
possível na ausência de argumentos de campanha plausíveis. Num certo
sentido, compreende-se: além de ostentar um inacreditável candidato, o
PS tem o país esventrado de alto a baixo, da saúde ao ensino, da
segurança à habitação, para não falar do estado da economia e do, lá
está, vasto investimento em corrupção. Não são exactamente bandeiras
para exibir em comícios e tempos de antena. Resta-lhes reformular, só
muito ligeiramente, o dichote de Vasco Gonçalves: “Quem não está
connosco, está com a ‘extrema-direita’”.
Há
aqui uma vantagem e uma desvantagem. A vantagem é que o “argumento” é
de amplo espectro, leia-se a sua aplicação não se esgota nas trafulhices
e serve para qualquer maleita. Notar que o PS demoliu por completo o
SNS é fazer o jogo da “extrema-direita”. Sugerir que as políticas de
educação vigentes estão a conduzir os alunos para os níveis de erudição
da Serra Leoa é coisa de racista. Criticar as fronteiras abertas aos
desgraçados tão desgraçados que escolhem Portugal para subir na vida é
típico de facho. Explicar que o sonho do casal Pedro Nuno & Mariana
consiste em abolir a propriedade privada que não seja a deles é o mesmo
que preencher a ficha de inscrição nas Waffen-SS. E por aí afora.
A
desvantagem da estratégia é o seu sucesso depender da existência de
dois fenómenos: a) um eleitorado de esquerda geneticamente disposto a
engolir as mais extravagantes patranhas; b) uma “direita” disposta a
cair na armadilha e, novo cliché, a enfiar a carapuça. Dado que em a) há
gente que acredita nas virtudes do leninismo e na menstruação
masculina, e que em b) há partidos empenhados em obedecer às regras
estabelecidas pela esquerda, a estratégia não tem desvantagens, e o
sucesso é uma forte hipótese.
Entretanto,
ainda na esfera da alta política, esta semana houve a transferência de
outra obscura sumidade do PSD para o Chega. A figura em questão é o dr.
Maló de Abreu, deputado próximo de Rui Rio e das savanas de Angola, país
onde declarara residir para efeito de ajudas de custo, embora para
facilitar dormisse em Coimbra. Ao contrário do que fez o dr. Montenegro,
que manteve a confiança no fulano da Madeira horas antes de este se
demitir, e do que fizeram todos os líderes do PS nos últimos 30 anos,
que não retirariam a confiança nem ao Estrangulador de Boston, o dr.
Ventura abortou a transferência e despachou o dr. Maló de Abreu mal se
descobriu a habilidade dos 75 mil euros (decerto um valor padrão). Uma
evidente asneira: assim o dr. Ventura está a beneficiar a
“extrema-direita”.
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