BLOG ORLANDO TAMBOSI
O Estreito de Áden não pode ser um instrumento de chantagem permanente de um grupo armado fundamentalista aliado do Irã sobre as economias da Europa. Bruno Cardoso Reis para o Observador:
Quando
Afonso de Albuquerque, no início do século XVI, procurou dominar o
Oceano Índico com meios limitados, o brilhante e brutal estrategista
apostou em controlar os estreitos de Malaca, de Ormuz e de Áden. São
exemplos de pontos de estrangulamento da geopolítica global, estreitos e
canais que são pontos de passagem quase obrigatória da navegação
mundial, e que por isso são vitais para a segurança marítima e económica
global. O Estreito de Áden é especialmente importante para a Europa.
A importância do Estreito de Áden
Entre
80 e 90% do comércio internacional é feito por via marítima. É a forma
de transporte mais barata. A segurança marítima é, portanto,
indispensável para a nossa segurança económica e energética, bem como
para ajudar a conter a inflação. Ela é especialmente importante para os
países europeus, como Portugal, historicamente muito dependentes do
comércio externo, como grandes exportadores e importadores. O Estreio de
Áden representa 15% do comércio mundial e 30% do transporte de
contentores, o que é muito significativo. Mas, sobretudo, representa
mais de metade do comércio entre a Europa e a Ásia, bem como a maioria
da exportação de petróleo e gás dos países do Golfo Arábico para a
Europa. A alternativa é a velha rota do Cabo que implica, no mínimo,
mais 10 dias de viagem e maiores custos. Nas últimas semanas, com a
ameaça mortal à segurança da navegação civil pelos ataques dos Houthis a
partir do Iémen, o número de navios que transitam pelo estreito de Áden
já caiu para menos de metade. É um precedente muito perigoso para a
segurança marítima global, e, em especial, para a segurança económica da
Europa.
Uma boa causa?
Os
Houthis alegam que estão a atacar navios que se dirigem a Israel por
solidariedade com Gaza. Mesmo que fosse verdade seria uma violação das
leis da guerra, não se pode atacar deliberadamente alvos civis, seja em
nome de que causa for, em terra ou no mar. Além disso, este grupo armado
fundamentalista xiita aliado do Irão já estaria a preparar ações deste
tipo, e os ataques têm sido indiscriminados, até um petroleio russo terá
escapado por pouco. Só não causaram vítimas, para já, sobretudo graças à
ação defensiva da marinha dos EUA e de um par de outros países. Há boas
razões humanitárias e políticas para um cessar-fogo em Gaza, mas ceder à
chantagem dos Houthis não é uma delas.
O
Iémen – a par da Síria e da Líbia – é um dos exemplos de mudanças de
regime que correram especialmente mal, durante as chamadas “Primaveras
Árabes”, resultando no colapso do Estado e em guerras civis prolongadas.
O regime teocrático fundamentalista do Irão aplicou aí a receita que
tem usado por todo o Médio Oriente para expandir a sua influência:
dividir para reinar, armar e financiar grupos armados em particular
xiitas. Foi assim que os Houthis conseguirem controlar a parte norte do
país, inclusive a capital. Estiveram à beira de perder o único porto que
controlavam, mas a pressão da comunidade internacional para um
cessar-fogo acabou por congelar o conflito antes disso. É também esse
acordo de cessar-fogo que os Houthis estão agora a violar.
O que estamos a fazer?
Pouco
ou nada. Há quem na Europa, inclusive em alguns governos, como o de
Espanha, se não simpatiza com a ação dos Houthis, pelos menos opõe-se a
que se faça algo eficaz e rápido para lidar com a ameaça. O governo de
Madrid vetou o alargamento para esta região da missão naval europeia
Atalanta. Seria o normal, visto que tem combatido com algum sucesso, um
pouco mais a sul, a pirataria somali. Haverá, aparentemente, uma revisão
do mandato de outra missão europeia no estreio de Ormuz, bem mais
afastada. Mesmo nesses termos, a Espanha e outros países, recusam
participar.
A
prioridade atual de uma série de governos na Europa parece ser o
reconhecimento do Estado independente da Palestina. O que seria uma
ótima notícia, se correspondesse à realidade. Mas não passa de mais
retórica vazia, que em nada alterará a realidade da ocupação israelita
da Palestina e a dificuldade das partes em negociar uma paz durável. A
seguir os europeus vão reconhecer o Tibete? Este tipo de postura só dá
crédito à ideia, infelizmente com algo de verdadeiro, de que os europeus
apostam em declarações bombásticas para esconder a ausência de ações
eficazes.
O
ministro italiano Antonio Tajani disse que esta crise no estreito de
Áden é um teste à credibilidade da Europa da Defesa. E tem razão.
Infelizmente, a União Europeia está a chumbar o teste. O último encontro
dos ministros europeus dos negócios estrangeiros limitou-se a aprovar
vagamente a ideia de uma missão na zona, mas deixou a decisão definitiva
para a próxima reunião, como se não fosse algo urgente. O chefe da
diplomacia da União, Josep Borrell, até veio declarar que não seria uma
missão de combate! Mas então o que iriam os navios europeus fazer numa
zona de conflito aberto? Demonstrar in loco a fraqueza e hesitações
europeias? Parece que, no fundo, há quem tenha esperança de que a
questão se resolva por si, ou por uma ação militar dos EUA.
E Portugal?
O
nosso país tem na segurança marítima um interesse vital, inclusive pela
dimensão da sua costa, por ser um país arquipelágico, pelo enorme
espaço marítimo sob sua responsabilidade. Não é por acaso que desde o
século XVII uma aliança sólida com a principal potência naval do
Atlântico tem sido uma prioridade da política externa portuguesa.
Devemos ter um papel ativo como coprodutores de segurança marítima, até
para podermos legitimamente pedir ajuda aos nossos aliados se dela
viermos a precisar. É fundamental que, em momentos chave como este, não
fiquemos à margem, sem uma posição clara, sem uma participação efetiva, à
escala dos nossos recursos, não apenas ao lado da União Europeia, mas
também ao lado dos EUA, para conter a ameaça Houthi à segurança de
navios civis e ao princípio da liberdade de navegação. E temos bem mais
recursos navais do que, por exemplo, a Ucrânia, que tem conseguido
manter a Rússia na defensiva no Mar Negro.
O
Estreito de Áden não pode ser um instrumento de chantagem permanente de
um grupo armado fundamentalista aliado do Irão sobre as economias da
Europa. Isto exige um apoio efetivo à missão naval norte-americana. Isto
exige uma missão naval europeia credível nos meios e no mandato. Isto
provavelmente exigirá reforçar o apoio aos adversários do regime
teocrático dos Houthis no interior do Iémen, inclusive o governo
internacionalmente reconhecido do país, que condenou estas ações. No
Médio Oriente, uma região propensa a conflitos armados e onde abundam os
barris de pólvora, o espetáculo de uma Europa incapaz de defender os
seus interesses vitais no estreio de Áden só reforçará o seu descrédito e
reduzirá a sua influência. Espero que não acabemos todos a pagar um
preço elevado por uma demonstração de fraqueza e de incapacidade da
Europa de pensar e agir estrategicamente, sobretudo se os EUA se
cansarem de resolver este tipo de problemas por nossa conta.
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