Carlos Newton
Nesses novos tempos de redes sociais e imbecialização geral, o que seria dos brasileiros se não existissem mais jornalistas de verdade? Por isso, é preciso prestigiar quem leva a sério a profissão e não permite ser usadoscomo mero divulgador do grupo político que ocasionalmente estiver no poder.
Estamos numa fase tão delicada que já não é mais possível confiar nas instituições, especialmente quando se constata que existe um verdadeiro conluio entre dois Poderes da República – o Executivo e o Judiciário.
Seus dirigentes só não transformaram este país numa ditadura porque não puderam convidar o Legislativo para esse banquete democrático, já que o número de cadeiras à mesa do Poder ainda é limitado.
CONGRESSO E IMPRENSA – Na verdade, Executivo e Judiciário não conseguiram – nem jamais conseguiriam – cooptar o Legislativo, porque se trata dos “representantes do povo” em amplo sentido, ao defenderem importantes categorias empresariais e sociais.
Governo e Supremo também não conseguiram curvar a imprensa como um todo. Em gravíssima crise econômico-financeira, a mídia está de joelhos, depende muito das verbas publicitárias estatais. No entanto, não é possível manipular inteiramente as informações, e a verdade é como uma erva daninha, que sempre dá um jeito de sobressair em meio a essa plantação de notícias oficiais.
Agora, por exemplo, a dobradinha Executivo/Judiciário inunda a mídia com informações bombásticas sobre um esquema de espionagem montado no governo passado, por causa de um software que informa localização de celulares e dá algumas facilidades de infiltração.
CESSA TUDO – De repente nada mais interessa. A intromissão para levar um criminoso como Guido Mantega à presidência da Vale, a interferência nas prerrogativas do Congresso em vários temas, o boicote ao déficit zero, a ameaçadora escalada da dívida pública – tudo isso perde importância, por causa de espionagem.
Foi uma manobra brilhante, via Alexandre de Moraes e sua fábrica de notícias. A imprensa amestrada mergulhou fundo no assunto. Mas ainda há jornalistas de verdade e que têm boa memória, como Hugo Marques, da Veja, que neste sábado tratou de restabelecer a verdade dos fatos.
O repórter cita que, na autorização de busca e apreensão no gabinete e na casa do deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), o ministro Moraes fez várias menções à criação de uma estrutura paralela dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo de Jair Bolsonaro.
PIADA DO ANO – Ao fazer essas afirmações, o ministro do STF demonstrou que ele e sua numerosa equipe de assessoria jurídica não conhecem o assunto e agem com frivolidade, tipo Piada do Ano, porque Hugo Marques conseguiu comprovar que a espionagem clandestina da Abin no governo Bolsonaro – se for confirmada – não é a menor novidade.
Marques relata que, no segundo governo Lula, por exemplo, a Abin investigava secretamente políticos e ministros do Supremo, em especial o então presidente Gilmar Mendes, que teve as conversas com um senador da oposição gravadas por arapongas. Quem chefiava a Abin era o delegado Paulo Lacerda, que tinha sido diretor-geral da Polícia Federal no mesmo governo Lula.
O escândalo foi ainda maior quando se descobriu que a Abin colocara mais de 50 agentes para investigar juízes, políticos, jornalistas e um banqueiro considerado como desafeto do governo. Mesmo assim, nada aconteceu a Lula ou a Paulo Lacerda, substituído pelo delegado Luiz Fernando Corrêa, que voltou à direção da Abin no ano passado.
DILMA, TAMBÉM – O jornalista da Veja lembra que, em 2013, o governo Dilma Rousseff enviou quatro agentes da Abin ao Porto de Suape, em Pernambuco, para investigar o então governador Eduardo Campos, do PSB, um dos pré-candidatos à Presidência da República.
Mas os quatro espiões foram identificados e detidos ao ingressarem em Suape. Eduardo Campos era um dos mais fortes concorrentes à Presidência e morreu em 2014, na queda suspeita de um avião, em plena campanha.
O repórter da Veja dá um show e mostra que também nas gestões de Fernando Collor (PRN) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) havia espionagem política, sem falar no festival que aconteceu na ditadura militar, cujos arquivos estão à disposição do público. Quanto ao governo Itamar Franco, não é citado, vejam que há muita diferença entre um político e outro.
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