BLOG ORLANDO TAMBOSI
A arrogância de artistas como Claudia Raia torna quase impossível os mecanismos de incentivo à cultura frente ao cidadão comum. Josias Teófilo para a Crusoé:
Semana
passada, a atriz Claudia Raia disse que os críticos da Lei Rouanet são
analfabetos. Ela respondia críticas feitas à captação de 5 milhões de
reais para a peça Tarcila, a Brasileira, um musical estreado no Teatro
Santander em São Paulo.
Chama
a atenção não só a fala bastante dura (logo atenuada pelo marido de
Claudia Raia, que acrescentou “são analfabetos funcionais”) mas também a
postura arrogante da atriz. Nos últimos anos tenho defendido em rede
social, em entrevistas e artigos a Lei Rouanet. Enquanto via o vídeo
daquela entrevista, porém, eu fiquei contra a Lei Rouanet. A arrogância
produz um efeito imediato de rejeição.
Primeiro:
não é fácil fazer o cidadão comum entender que o dinheiro de isenção
fiscal (dinheiro que viria a ser público) deve ser destinado a um
musical ou qualquer outra obra de arte. Simplesmente porque a arte não
serve para nenhum fim imediato, prático. A beleza da arte é exatamente
essa: não servir para nada especificamente. Mas essa é também sua
fragilidade. Frente a essa circunstância, que é realmente complexa, os
artistas e produtores deveriam ter uma postura aberta, de acolher as
críticas e respondê-las na medida do possível, de preferência sem
desqualificar aqueles que criticam.
Definitivamente
não é isso que acontece no meio artístico. Existe ainda um agravante:
no meio artístico no Brasil há uma hegemonia da esquerda. E os artistas
não são nem um pouco discretos em suas posições políticas – usam
inclusive o discurso de suas obras para afirmarem suas posições. Isso
produz uma rejeição muito grande no público em geral, até mesmo na
parcela da população que apoia a esquerda – ninguém sai de casa para ver
uma propaganda na tela do cinema.
E
mais: existe uma espiral de silêncio na classe artística. Acontece
nesse meio um pouco como na sociedade em geral: a esquerda parece maior
do que é por ser muito barulhenta e histérica. Os artistas que não são
da esquerda tendem a ser discretos para não serem perseguidos – e quem
não é do meio não sabe nem que eles existem. Mas o efeito desse aparente
consenso em favor da esquerda é uma deslegitimação dos mecanismos de
fomento à artes. Para piorar, boa parte da produção artística da
esquerda tem por objetivo chocar a chamada sociedade tradicional, os
valores conservadores, a religião, e por aí vai. Mais um ponto de atrito
inevitável.
Por
outro lado, existe agora toda uma indústria da reação a esse tipo de
coisa. Se a esquerda ataca constantemente os valores conservadores, uma
parcela da sociedade quer preservar esses valores, como o casamento, a
família etc. Aí surgem influenciadores que prometem preservar esses
valores, eles dão cursos e fazem produtos digitais e constantemente
incorrem em moralismo e normatividade. O problema é que a arte não pode
ser tratada com moralismo: quando vemos um crime retratado no filme, não
significa que o autor do filme concorda com o crime.
Mas
a reação à extrema politização das obras de arte acabou virando uma
espécie de novo moralismo que ignora as nuances da produção artística –
por exemplo, que mostrar um crime não é necessariamente endossá-lo. Por
um lado, os artistas querem chocar a chamada sociedade tradicional, por
outro há quem se coloque como defensor desses valores e quer vender
produtos online ou quer o proveito político disso – seja em votos, em
apoio popular ou apenas em curtidas em rede social. Virou um duelo de
lacração.
No
meio disso tudo, não é fácil defender as leis de incentivo e o fomento
às artes. Os artistas não ajudam nem um pouco desqualificando os
críticos como “analfabetos”. Ninguém é obrigado a defender os mecanismo
de incentivo à cultura e sua função pública não é clara para a maioria
das pessoas. Na verdade, é difícil justificar boa parte do aparato do
Estado: tente convencer o cidadão comum da importância do auxílio terno e
do auxílio moradia para deputados, por exemplo. Mas a cultura fica numa
situação de maior fragilidade por causa da politização e da lacração.
Postado há 2 days ago por Orlando Tambosi
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