BLOG OORLANDO TAMBOSI
Só para diplomatas estrangeiros, mas é um prelúdio para mais aberturas, no grande plano do príncipe para transformar o país ultrafundamentalista. Vilma Gryzinski:
“Arábia
Maldita”, brincavam diplomatas quando eram enviados para missões num
país em que se proibia tudo – e, claro, dava para conseguir tudo,
inclusive bebidas, proibidíssimas pela religião muçulmana, por um preço
alto, claro.
A
Arábia Saudita do príncipe Mohammed bin Salman quer deixar o adjetivo
derrogatório para trás. Aliás, quer superar também o petróleo, que lhe
dá dinheiro, influência e poder. O príncipe que é na prática o
governante absoluto, embora precise do consenso das elites, imagina um
futuro com projetos ambiciosíssimos, de novos centros urbanos futuristas
que atraiam visitantes estrangeiros, por turismo e para morar, como uma
espécie de Dubai ultraturbinada.
Para
estrangeiros como os jogadores de futebol famosos cujas famílias estão
demorando a se adaptar ao choque cultural e ao clima desértico, ainda é
um país difícil, muito religioso e estranho.
Para
os sauditas, as mudanças são impressionantes: as mulheres não precisam
mais cobrir o rosto para sair à rua e podem dirigir, a polícia religiosa
que vigiava de varas na mão o cumprimento das regras extremas,
inclusive o fechamento de todas as atividades para as cinco preces
diárias durante o horário comercial, sumiu das ruas. Homens e mulheres
podem se misturar em shows e festas, impensáveis até não muito tempo
atrás.
REI ASSASSINADO
A
loja de bebidas agora anunciada vai ser restrita a diplomatas
residentes em Riad, com visitas antecipadamente registradas via
aplicativo e vendas por um sistema de cotas. Ou seja, as bebidas não
precisarão mais chegar clandestinamente aos bairros fechados onde vivem
os estrangeiros e é possível ter acesso a tudo, embora sempre haja a
sensação de frio na barriga.
Todos
concordam que é um protótipo, uma experiência para abrir caminho aos
futuros enclaves turísticos e ver como os mais conservadores reagem – os
mais religiosos reclamam até dos bares com coquetéis não alcoólicos que
viraram moda. Beber em público, para eles, só café.
Qualquer
abertura vinda de cima na Arábia Saudita sempre evoca o assassinato do
rei Faissal, em 1975, baleado durante uma audiência por um sobrinho,
seja por distúrbios mentais seja por rejeição a modernidades como a
televisão (qualquer que tenha sido o motivo, o assassino nunca vai
esclarecer: foi executado por decapitação).
A
pena de morte continua a ser aplicada na Arábia Saudita, com 172
execuções no ano passado, O número aumentou desde que o príncipe Bin
Salman, conhecido como MBS, se tornou o monarca reinante de fato, com
seu pai praticamente inválido.
SANGUE FRIO
Abrir
uma loja de bebidas não deixa de ser mais uma manifestação da ousadia
de MBS, num momento em que o Oriente Médio está em surto por causa da
guerra em Gaza e a diplomacia saudita tem que apostar num acordo sobre
um futuro Estado palestino para poder seguir seus projetos de
normalização com Israel em troca de um tratado de segurança com os
Estados Unidos.
Como
todos os outros regimes árabes, o saudita tem pavor do Hamas e de sua
ideologia islamita, inspirada pela Irmandade Muçulmana. E abomina também
o regime iraniano, financiador do Hamas e aspirante à hegemonia
regional. Ao mesmo tempo, não pode parecer condescendente com Israel. É
um jogo de equilíbrio que exige sangue frio e capacidade de pressão.
Em
todos os projetos de um acordo abrangente, a Arábia Saudita aparece
como a financiadora da reconstrução de Gaza – contra a garantia de que
tudo não vai ser destruído de novo, dentro de cinco ou dez anos.
Há, como se vê, muito mais coisas envolvidas do que uns drinques liberados para estrangeiros.
Os locais continuam sujeitos, se flagrados, a penas de prisão e chibatadas.
O MAIOR VÍCIO
A
proibição de bebidas alcoólicas tem um histórico curioso: foi decretada
em 1951 pelo rei Abdul Aziz Ibn Saud depois que um de seus filhos,
embalado por uns drinques, deu vexame na casa do vice-cônsul inglês
Cyril Ousman, a quem acabou matando.
O
rei ofereceu à viúva executar o filho de qualquer forma que ela
decidisse e espetar sua cabeça na entrada da embaixada britânica. Ela
declinou e o rei acabou concluindo que a culpa era do álcool introduzido
no país pelos estrangeiros maus.
Àquela altura, o maior vício do país já era o petróleo.
É
dele que Mohammed bin Salman quer descolar o país com seus projetos
visionários, transformando a “Arábia Maldita” num polo futurista aberto a
estrangeiros. O maior projeto é o da cidade horizontal à beira do Mar
Vermelho chamada Neon. Está prevista até uma estação de esqui em pleno
deserto. Talvez com uns drinques para esquentar depois daquele gelo
todo.
Postado há 2 days ago por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário