O impossível acontece e forças ucranianas não só fazem ocupantes bater em retirada, como conseguem livrar os “300 de Mariupol”. Vilma Gryzinski:
“Precisamos
de nossos heróis vivos”. Assim Volodimir Zelenski definiu as concessões
feitas para conseguir que os 280 combatentes remanescentes no labirinto
de túneis da usina siderúrgica de Mariupol fossem evacuados do que há
semanas se configurava como uma tumba gigantesca.
O
presidente ucraniano admitiu que tinha sido um “dia difícil”, pois em
troca da retirada dos resistentes – sem pernas, sem braços, sem comida,
sem munição -, ficou selado o controle russo da cidade portuária. Os
“espartanos” da usina Azovstal, que se dispunham a lutar até a morte,
sabendo que seria torturados e executados caso se rendessem, foram
levados para áreas controladas por russos ou simpatizantes.
Em compensação, foi tranquilo ouvir as boas notícias que chegaram de outra frente.
“Senhor
presidente, comandante-chefe das Forças Armadas da Ucrânia”, disse um
orgulhoso oficial de um batalhão da Defesa Territorial, cercado de
outros militares. “Brigadas da Ucrânia chegaram à linha divisória, à
fronteira com a Federação Russa, o país ocupante”.
Parecia
uma cena de filme, inclusive pelo marco divisório com o azul e amarelo
da Ucrânia, mas foi de verdade. Não há mais russos em Kharkiv, a segunda
maior cidade ucraniana, cercada logo no início da invasão. E forças
ucranianas avançaram, isoladamente, os 80 quilômetros até a fronteira.
É
um golpe tremendo para a Rússia: depois de bater em retirada da região
de Kiev, a capital, as forças invasoras também tiveram que sair de
Kharkiv (Kharkov em russo, palco de nada menos que quatro grandes
batalhas com a Alemanha nazista durante a II Guerra Mundial).
A
importância, tanto simbólica quanto estratégica, não pode ser
subestimada, principalmente numa cidade em que todo mundo fala russo e
os invasores contavam “cooptar” a população sem maiores problemas.
É
através da região de Kharkiv que o complexo logístico russo na cidade
de Belgorod, a 40 quilômetros da fronteira, mantém a linha de
suprimentos para as forças ocupantes.
Foi
uma guinada tão importante que até gente de cabeça fria, como o
norueguês Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan, se deu ao luxo de
especular: “A Ucrânia pode ganhar estar guerra”.
Quem
se atreveria a fazer um prognóstico desses, com base em fatos, quando o
gigante russo parecia pronto para engolir a desarticulada Ucrânia?
“O
quadro geral ainda é, como em todas as guerras, complicado, mas o
principal está claro. A Rússia está perdendo, de novo”, analisou Richard
Kemp, ex-oficial de infantaria especialista em inteligência, no
Telegraph. “Ela está sendo derrotada, atrasada ou pressionada na
maioria das frentes e nenhum de seus objetivos principais foi
alcançado”.
“Putin
está ficando rapidamente sem tempo e sem opções: se sua última retirada
não produzir poder de combate suficiente para derrotar o Exército
ucraniano no leste, ele estará seriamente encrencado. Não está claro que
existe um plano B para o plano B”.
À
libertação de Kharkiv, somam-se os anúncios oficiais do pedido de
ingresso da Finlândia e da Suécia na Otan, o que deixa o Ártico, um dos
teatros de operações mais importantes para a Rússia, literalmente
dominado pela aliança militar antagônica.
Como
as más notícias, para os russos, não chegam sozinhas, o Ministério da
Defesa britânico avaliou que a Rússia provavelmente perdeu um terço das
forças terrestres deslocadas para a invasão da Ucrânia. Repetindo: um
terço.
“Apesar
de avanços iniciais em pequena escala, a Rússia não conseguiu ganhos
territoriais substanciais no último mês, sofrendo consistentemente altos
níveis de atritos”, resumiu o ministério.
Até
a previsível vitória dos representantes ucranianos no Eurovision, o
festival musical sensacionalmente kitsch, ajudou a criar um clima de
otimismo. Em mais uma vitória da guerra das narrativas, o principal
integrante do grupo vitorioso, Oleg Psiuk, posou de chapéu cor de rosa
se despedindo com um beijo na namorada. Ele e os outros integrantes da
Kalush Orchestra voltaram a seus postos, como combatentes de uma guerra
na qual todos os ucranianos de 18 a 60 anos têm que lutar.
Os
remanescentes do regimento Azov, justamente o que os russos mais
queriam derrotar e usar para comprovar a tese de que suas antigas
simpatias neonazistas justificavam colar o rótulo no país inteiro, foram
trocados por prisioneiros russos.
Psicologicamente,
a Rússia precisava fazer um sinal desses, por causa da impressão de que
está largado seus homens para trás, tanto vivos quanto mortos,
abandonados em grandes quantidades.
Ou
fazendo coisas piores ainda. Combatentes russos da área de
inteligência militar, capturados, disseram a um jornalista ucraniano que
um tenente-coronel que os comandava matou pelo menos cinco militares
russos feridos. Se não podiam andar, eram executados, mesmo que os
ferimentos não fossem catastróficos.
Os
chechenos, que fizeram muitos atos de exibicionismo no início da
guerra, são conhecidos por executar camaradas sem muitas chances de
sobrevivência, mas o tenente-coronel mencionado pelos presos de guerra
parece ter ido vários passos adiante.
Que moral pode ter uma tropa que teme que a morte sobrevenha através de seus próprios comandantes?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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