Passados 48 anos do 25 de Abril, Portugal descobriu que o PCP é um partido totalitário. Já tínhamos tido 48 anos de Estado Novo. Daqui a 48 anos já teremos descoberto que o PS empobreceu o país? Helena Matos para o Observador:
Segunda-feira, 25 de Abril.
Celebram-se 48 anos sobre o 25 de Abril de 1974. 48 anos é o tempo que
um português precisa para perceber que uma ditadura é uma ditadura. Foi
assim com o Estado Novo e é assim com o PCP. Ao fim de 48 anos a
declarar-se vítima de agressões mal era questionado, a reconhecer nazis e
fascistas em qualquer um que lhe denunciava a táctica e a dizer-se
provocado sempre que era criticado, o PCP passou a ser identificado como
aquilo que é e sempre foi: um partido que retira todas as vantagens das
democracias a que chama burguesas e capitalistas enquanto apoia as
ditaduras mais sinistras que o mundo conhece e conheceu. Face ao tempo
necessário para que em Portugal se constate o óbvio, pode com segurança
concluir-se que, politicamente falando, os portugueses são de
compreensão lenta. Tão lenta que provavelmente só daqui a meia dúzia de
anos começarão a interrogar-se sobre os bastidores da geringonça. Mas
mais vale tarde que nunca.
Terça-feira, 26 de Abril.
Os últimos anos fizeram despertar em mim uma veia coleccionista.
Colecciono programas governamentais a que os portugueses não aderem ou
não conseguem aderir. Esta semana tivemos notícias do Retomar. Noticiava
o PÚBLICO: “Mais
de 2800 milhões em garantias ligadas à covid-19 ficaram por executar.
Dos 5,06% do PIB de garantias públicas disponibilizadas pelo Governo
para apoio aos impactos da pandemia, ficaram por executar 1,24%, com
destaque para a Linha Retomar, ligada ao fim das moratórias.” A
Linha Retomar soma-se assim à lista dos programas anunciados com muita
propaganda e pouca adesão. Por exemplo, o programa de apoio ao pagamento
das rendas lançado pelo Governo durante a pandemia de covid-19 chegou a
um terço das famílias que o solicitaram. Há mesmo
programas com zero adesões, como foi o caso do Chave na Mão, um
programa que punha o Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU)
a gerir o arrendamento das casas de quem se mudasse do Litoral para um
dos 165 concelhos de baixa de densidade. Invariavelmente um programa
sucede a outro. Sobre os milhões anunciados e o porquê de não serem
executados, nem uma palavra. Quantos anos serão necessários para
começarmos a fazer as perguntas no momento certo?
Quarta-feira, 27 de Abril.
A compreensão lenta tem dias em que se torna uma forma de idiotia:
Filipe Meirinho, presidente da Entidade Nacional do Setor Energético,
que gere as reservas nacionais de combustíveis, pediu a demissão.
“Motivos pessoais” foi a justificação apresentada. Os “motivos pessoais”
têm as costas largas: em Março, Filipe Meirinho fora acusado pelo seu
antecessor, Paulo Carmona, de não estar a renovar as reservas de
gasóleo. Mas sem desmerecer nos motivos pessoais que terão levado
Filipe Meirinho a pedir a demissão, fica-se com a sensação que nos
faltam algumas peças deste puzzle.
Quinta-feira, 28 de Abril.
Quantos anos serão necessários para que se fale da austeridade aplicada
em Portugal no ano de 2022? Em Portugal a austeridade existe quando a
máquina estatal é afectada por reduções e alguns funcionários públicos e
pensionistas sofrem cortes nos seus vencimentos. Isso é austeridade. Já
não pode ser definido como austeridade toda a população,
independentemente dos seus rendimentos, pagar uma crescente carga fiscal
quando abastece combustíveis ou vai ao supermercado. A isto chama-se
precupação com as contas certas. Note-se que nos impropriamente chamados
anos da troika (na verdade são os anos da dívida) a austeridade não
afectou pobres e ricos de igual modo, pois os baixos rendimentos não
foram sujeitos a cortes. Na presente situação, a tal em que não existe
austeridade mas sim diminuição do poder de compra, os mais pobres são
comparativamente mais afectados pois não só se confrontam com a subida
dos preços e dos juros, como não podem fugir das taxas e taxinhas que se
acrescentam os preços dos alimentos e dos combustíveis a que afectam
boa parte dos seus rendimentos. Mas isto, dizem-nos, não é austeridade.
O
PS criou o seu tabu: não se pode dizer a palavra austeridade. O nosso
dinheiro vale menos. Compramos menos coisas e pagamos mais por elas e
mais impostos, mas oficialmente virámos a página da austeridade. Sṍ se
esqueceram de nos dizer que entrámos no capítulo “As vítimas da
propaganda socialista são as últimas a saber que foram enganadas.”
Sexta-feira, 30 de Abril.
As mesmas pessoas que todos os dias teorizam sobre os malefícios das
redes sociais entraram em transe com a compra do Twitter por Elon Musk.
Anunciam-se apocalipses. Pedem-se medidas… Enfim, o carnaval que rodeia a
venda de qualquer criação dos mercados que de inicialmente diabolizada
passou a imprescindível. Vendas de marcas de automóveis, roupa,
informática, etiquetas de discos, estúdios… geraram as mesmas reacções,
pois os mesmos que começaram por desprezar estas criações acabam não só a
utilizá-las como também a querer definir como devem ser geridas. Assim,
a todos os indignados com a compra do Twitter por Musk dou um conselho:
desistam do Twitter. Ou mais eficazmente ainda, criem outra rede. Ou,
mais eficazmente ainda, revejam o debate Macron – Marine Le Pen e
assistam ao fantástico momento em que os dois candidatos são
confrontados com a pergunta: porque não existe um google francês? Ou um
Steve Jobs francês?
Sábado, 30 de Abril.
Estava eu entretida com o momento de epifania vivido no país em torno
do PCP, momento esse apenas possível porque os socialistas estão a
aproveitar o mau momento do PCP para fazer a catarse dos anos da
geringonça, transformando o acto de criticar os comunistas não só numa
prática aceitável como também numa espécie de novo denominador comum do
centro político, quando tropecei nesta extraordinária afirmação de Jorge
Moreira da Silva a propósito dos incidentes com cidadãos russos
simpatizantes do regime de Putin na recepção aos refugiados ucranianos:
“Claro que estes episódios são lamentáveis e têm que ter um
esclarecimento cabal, mas não contem comigo para partidarizar e
politizar um tema que é demasiado sério. Insisto, não instrumentalizemos
a guerra na Ucrânia. Eu acho que os portugueses, a última coisa que
querem é a politização de uma tragédia.”
A
primeira pergunta é óbvia: se não podemos contar com Jorge Moreira da
Silva para politizar os assuntos sérios, podemos contar com ele para
quê? Para politizar os assuntos não sérios? Esta frase de Jorge Moreira
da Silva é um exemplo do velho catecismo “Como conviver com os
comunistas sem lhes dar qualquer pretexto para se sentirem provocados e
consequentemente chamarem-nos fascistas”.
O
primeiro mandamento desse catecismo passa pelas despolitização, ou seja
nunca nas críticas dirigidas ao PCP ou aos comunistas se refere que
eles são comunistas. O resultado deste mandamento é que, apesar de os
comunistas só falarem de política e submeterem tudo à lógica partidária,
nunca são confrontados com esses factos. Para não se politizar, claro!
Pior, quem os critica é de imediato acusado de “estar a
instrumentalizar”. E é precisamente este status quo que Jorge Moreira da
Silva diz que pretende manter, não percebendo ou não querendo perceber
que desse modo mantém uma mistificação política em torno do PCP e, o que
politicamente é ainda mais complicado, deixando nas mãos do PS a gestão
política do anti-comunismo que consoante as necessidades de momento dos
socialistas ora é um sentimento próprio de reaccionários incapazes de
quebrar muros ora uma atitude que honra os democratas e a república. Os
socialistas vão agradecer do fundo do seu coração rosa esta postura de
Jorge Moreira da Silva, o homem que vem para a política para não
politizar os assuntos sérios. Estamos falados.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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