O que está em jogo é quem ou o que consegue exercer força de modo mais ou menos legitimado. Luiz Felipe Pondé via FSP:
Quais as origens da política?
O tema é polifônico. Muitas vozes buscam identificar tal processo.
Reconhecer as diferentes formas de organização política é a mesma coisa
que identificar as causas da necessidade da política? Não
necessariamente.
É
importante dizer que a busca por compreender tais questões não implica a
última resposta para elas. A razão para entender a origem da política é
buscar sofrer menos com as causas que geram a política enquanto tal. É
sofrer menos violência, de qualquer forma em que ela se apresente na
experiência concreta do cotidiano social e individual.
A origem da política é a violência. O debate entre Hobbes (século 17) e Rousseau (século 18),
que opõe pessimistas a otimistas acerca da natureza humana
pré-política, é interminável. Ambos erraram ao imaginar que existiu um
homem pré-político, fosse ele o lobo do Hobbes ou o doce selvagem do
Rousseau. Nunca fomos seres isolados a marchar sobre o mundo. E aqueles
que por azar caíram nessa condição eram rapidamente assimilados pelos
bandos, para o bem ou para o mal.
Todavia,
ambos acertam quando veem que a violência é um problema para os seres
humanos, e que o surgimento das formas políticas é um modo de lidar com
essa violência, tentando organizá-la, com maior ou menor sucesso.
Evidentemente que nunca houve um contrato social assinado, nem os
autores imaginaram que tenha existido ao lançar mão desse termo.
O
contrato social é uma hipótese de trabalho para tentar explicar como
teria surgido a ordem política sem a interferência das explicações
religiosas e mágicas.
O
que está por trás da ideia de um contrato social é a suposição que
teriam sido decisões racionais que levaram os homens à ordem política.
O filósofo Francis Fukuyama no monumental "Origins of Political Order",
da Farah, Straus and Giroux de 2011 —com tradução no Brasil—, demole
essa hipótese racionalista. Não somente ele, claro, percebe a
inconsistência de tal hipótese.
O
que nos leva à vida política é a condição humana determinada pelas
contingências de um ambiente aberto à violência contínua. Proteger-nos
da violência implica fazer a gestão contínua dessa mesma violência,
usando-a como recurso disponível. Se a gestão da política é racional,
sua substância é emocional.
Fukuyama,
mesclando história e filosofia política, diz que nunca houve homens
pré-políticos porque a violência sempre fez parte do cenário humano. Jacob Burckhardt, historiador do século 19,
já dissera que a violência surge como resultado das diferenças de poder
entre indivíduos, grupos e sociedades no cotidiano da busca por
realização dos intentos humanos.
Tanto
o filósofo quanto o historiador veem essas diferenças de poder já na
ordem biológica. Uns são mais fortes do que os outros, os homens mais do
que as mulheres. Umas sociedades mais do que as outras, por elementos
naturais e geográficos ou culturais e técnicos.
Fukuyama
vai aos chipanzés para ver como entre eles também há política porque há
diferenças de capacidade para exercer a violência.
Reconhecer
que a violência é parte da condição humana é como reconhecer que existe
a gravidade, a priori não se trata de um enunciado moral. Tampouco
significa que sejamos apenas capazes de violência, mas sim que negar
essa disposição, e diferentes capacidades para o exercício da violência,
implica não compreender a política real.
O
que está em jogo na política institucionalizada é quem ou o que
consegue exercer mais violência de modo mais ou menos legitimado. E esta
legitimidade implica, em grande medida, na importância da forma como a
violência é exercida e organizada no cotidiano dos grupos. Organizar a
violência no cotidiano de um grupo é, basicamente, reduzi-la.
Nunca
existiu um processo acumulativo e linear de sucessos na gestão da
violência na longa duração da história. Dos grupos organizados por
parentesco à corrupção no coração dos Estados, às teocracias, à
tentativa de uma organização impessoal e mais transparente, tudo é
efêmero e pode, um dia, degenerar em violência desorganizada.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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