Essa ação é parte de um movimento mais amplo, cada dia mais influente na
academia e no jornalismo, em que questionar os dogmas ‘woke’ é
considerado uma heresia intolerável, que deve ser punida. Steven Pinker,
em entrevista à Gazeta do Povo:
Nos últimos dias, começou a circular na internet uma Carta Aberta da
Sociedade Linguística da América (LSA, na sigla em inglês). Assinado por
mais de 500 pessoas, o texto pede que um dos membros da LSA seja
expulso da instituição. “Acreditamos que o comportamento do Dr. Steven
Pinker não condiz com a imagem de nossa organização profissional”, alega
a carta.
“O comportamento do Dr. Pinker é sistematicamente contrário ao
posicionamento oficial da LSA a respeito de justiça racial”, prossegue o
manifesto. “Dr. Pinker tem uma história de relativizar injustiças,
frequentemente manipulando fatos”. O texto prossegue citando supostas
provas contra o acadêmico, artigos ou posts de redes sociais publicados
pelo pesquisador nos últimos anos.
A primeira evidência, por exemplo, é um post no Twitter em 2015,
compartilhando uma reportagem do jornal The New York Times que
informava, com base em dados, que, na cidade americana, negros não são
alvejados pela polícia em proporção maior do que brancos.
“Algumas pessoas imaginaram se a carta aberta à SLA não era uma
sátira. Não, ela é real”, Pinker afirmou em sua conta de Twitter. “Não
culpem a LSA (ao menos não por enquanto): eles ainda não me cancelaram, e
provavelmente não irão. Não culpem, também, os linguistas em
estabelecidos: eu reconheço apenas alguns nomes entre os signatários”.
Pinker também assinou a Carta Sobre Justiça e Debate Aberto, que a
revista Harper’s divulgou no último dia 7 de julho. Nela, 153
jornalistas, escritores, artistas e intelectuais afirmam: “Nossas
instituições culturais encaram um momento de desafio. Protestos
poderosos por justiça social e racial demandam uma reforma na polícia.
Mas essa demanda também intensificou uma série de atitudes morais e
compromissos políticos que tendem a enfraquecer o debate aberto e a
tolerância de diferenças”.
Nascido em Montreal, no Canadá, em 1954, Pinker é um linguista e
psicólogo conhecido por utilizar a teoria da evolução e o conhecimento
de genética para explicar os processos neuronais que suportam a
aquisição da linguagem. Professor da Universidade Harvard, onde
completou seu doutorado há 40 anos, lançou livros de divulgação
científica como Do que é Feito o Pensamento, A Tábula Rasa e Como a
Mente Funciona.
Diferentes instituições, incluindo a Associação Americana de
Psicologia, a Academia Nacional de Ciências e a Sociedade de
Neurociência Cognitiva, já premiaram tanto seu trabalho acadêmico quanto
seu esforço de levar o conhecimento científico para o público em geral.
Em seu livro mais recente, O Novo Iluminismo, de 2018, ele defende que a
humanidade avançou em todas as frentes, incluindo a qualidade de vida, a
paz, a segurança e o acesso ao conhecimento. E defende que a ciência e a
razão precisam ser defendidas para que esse cenário positivo seja
mantido.
“A proporção de pessoas mortas anualmente em guerras é menos de um
quarto do que era na década de 80, um sétimo do que era no início da
década de 70, um dezoito avos do que era no início da década de 50 e
0,5% do que foi durante a Segunda Guerra Mundial”, ele escreveu nesta
obra. “As pessoas não só estão mais saudáveis, mais ricas e mais
seguras, como também mais livres. Não muito tempo atrás, metade dos
países do mundo tinha leis que discriminavam minorias raciais; hoje,
mais países têm políticas que favorecem minorias do que políticas que as
discriminam”.
Na entrevista concedida por email, Steven Pinker trata da carta e do
principal tema que a motivou: a acusação de que ele não considera o
racismo um problema grave. Para ele, a tentativa de cancelamento de sua
produção acadêmica é resultado de uma postura de intolerância contra
quem critica a cultura “woke” – que valoriza, como já explicou um artigo
da Gazeta do Povo, “estar atento às chamadas injustiças sociais, onde
quer que seja, o que necessariamente implica na politização de cada
aspecto da vida cotidiana, sempre pelas lentes mais extremistas do
progressismo”.
O senhor sabe por que foi atacado, e por que agora?
Essa ação é parte de um movimento mais amplo, cada dia mais influente
na academia e no jornalismo, em que questionar os dogmas ‘woke’ é
considerado uma heresia intolerável, que deve ser punida.
Qual é a melhor forma de lidar com esse tipo de ataque? É possível dialogar com as lideranças da cultura “woke”?
É difícil dialogar, porque a própria noção de que precisamos de um
intercâmbio de ideias a fim de entender o mundo é rejeitada pela
ideologia “woke”, que acredita que estamos envolvidos em uma disputa
crua por poder e o diálogo é apenas uma forma de justificar a posição
daqueles que estão no poder. Ainda assim, acredito que é essencial
continuar procurando o diálogo, porque, sob pressão, ninguém vai admitir
que sua posição é ilógica e incorreta.
A carta acusa o senhor de utilizar o termo “raça” de forma a
minimizar o problema do racismo. Por que o senhor acredita que esse
termo é tão problemático para essas pessoas?
Como eu não entendi a acusação, tenho dificuldade de responder a ela.
Eu uso o termo “raça” da mesma forma que esses especialistas que
assinaram a carta.
O senhor é acusado na carta de minimizar o problema do racismo
entre os policiais americanos. Afinal de contas, o racismo na polícia é
um problema genuíno?
Só posso responder a essa pergunta olhando para os fatos. E os
estudos mais recentes sugerem que existe, sim uma motivação racial nas
abordagens policiais – afro-americanos são mais sujeitos a serem presos
ou constrangidos por policiais. Mas os dados não indicam que os
afro-americanos têm maiores chances de serem mortos no contato com a
polícia.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário